Tag: análise de redes semânticas

O que o Twitter achou do Rock in Rio?, por Aianne Amado

Segundo seu próprio site, o Rock in Rio é um dos maiores festivais de música do mundo, somando uma audiência de mais de 10 milhões de pessoas em sua história. Porém, não é só na Cidade do Rock que o espetáculo acontece: desde sua retomada em solo brasileiro no ano de 2011, o Rock in Rio é evento também nas redes sociais digitais, utilizadas pelos usuários para comentar não apenas os shows (transmitidos em tempo real numa mega cobertura fornecida pelas empresas do Grupo Globo), mas também todos os bastidores – seja a estadia dos artistas internacionais no Brasil, a presença de celebridades nacionais na área VIP do festival, ou ainda os inusitados acontecimentos na plateia.

Em 2022, primeira edição após o hiato imposto pela pandemia, a repercussão foi ainda maior: dados do Observatório da TV mostram que este foi o ano com maior audiência televisiva desde a volta do festival para o Brasil na TV aberta, ou seja, sem contar com aqueles que assistiam a cobertura pelo canal Multishow, Canal Bis ou pelo streaming Globoplay, que estava com acesso liberado para assinantes e não assinantes. E, num movimento já comum a grandes eventos televisionados, parte significativa desses milhares de espectadores comentavam tudo o que viam pelo Twitter, fazendo o Rock in Rio ficar entre os assuntos mais comentados do mundo em todos os dias de show.

Ao final do evento, o jornalista José Norberto Flesch, notório nas redes pelos seus conteúdos sobre o mundo da música, fez as seguintes perguntas aos seus seguidores:

Considerando as centenas de replies a cada um dos tweets, bem como a pertinência de Flesch para os fãs de música usuários da rede, entendemos essas interações como valiosas para ilustrar – de forma evidentemente generalizada – as críticas e elogios sobre o Rock in Rio 2022. Assim, no dia 13 de setembro coletamos as 5.784 respostas postadas até então e as organizamos em duas redes semânticas, conforme metodologia de análise textual proposta por James A. Danowski (1993). Os dados foram processados no WORDij, desenvolvido pelo próprio Danowski, para a observação de paridades e co-ocorrências de palavras. Em seguida, o resultado foi trabalhado no software Gephi para a criação de grafos que facilitem e dinamizem a visualização das linhas discursivas encontradas.

Para a leitura desses mapas, considera-se cada nó (círculo colorido) como correspondente a uma palavra e as arestas (linhas) entre eles como as ligações encontradas. O tamanho do nó equivale ao número de co-ocorrências do termo; a largura da aresta indica o grau da paridade; as cores indicam clusters, agrupamentos temáticos identificados pelo próprio programa; e quanto mais central o nó, maior o número de ligações. Para fins didáticos, destacamos em nossa análise os termos presentes nos grafos através das aspas.

Para a primeira pergunta, acerca das surpresas do Rock in Rio, coletamos 493 respostas (dentre replies e quotes). Por ser um número reduzido e, em geral, trazer respostas mais objetivas, optou-se por delimitar em quatro o número de palavras na janela de paridade, ou seja: a cada palavra, se formava uma ligação com as quatro palavras identificadas à sua frente ou atrás.

Qual foi a maior surpresa do Rock in Rio (não necessariamente o melhor show)? – respostas ao tweet de José Norbert Flesch

Como de se esperar, o principal assunto dentre os comentários positivos se referem aos “shows”. Dentre estes, o de “Måneskin” aparece em evidência, com os respondentes afirmando sem “dúvida” o destaque e justificando a “surpresa” porque não “conheciam” a banda antes do festival e “acharam” o show “bom”. A banda italiana é também citada em associação a outros shows, como o de “Luisa Sonza”, “Djavan”, “Post Malone” e “Green Day”.

Com uma apresentação cheia de declarações de afeto ao público brasileiro, a audiência afirma que não “esperava” “nada” de “Camila Cabello”, mas que a mesma entregou “tudo”. Outras demonstrações de carinho ao público mencionadas foram ter a banda “Coldplay” “cantando” a música “Magic” em “português”, e a cantora “Rita Ora” convidando “Pabllo Vittar” para o palco com ela.

Em tom bem-humorado, muitos comentaram como, após toda a polêmica, a “maior” “surpresa” foi o fato de “Justin Bieber” “realmente” ter “aparecido” para seu show.

Outros artistas citados foram “Ludmilla”, “Jessie J”, “Billy Idol”, “Avril Lavigne” – destaque do “palco” “sunset” – e a banda “Bastille”.

No mais, em relação à infraestrutura, aqueles que compareceram ao evento elogiaram os “banheiros” “sempre” “limpos”.

Em oposição direta às “surpresas”, as respostas referentes às “decepções” eram mais elaboradas, além de numerosas: neste tópico, somaram-se 2.926 tweets (dentre replies e quotes), que originaram a rede a seguir. Devido ao maior volume, refletido no tamanho e complexidade do grafo, optou-se pela janela de paridade padrão de três palavras.

Qual foi a maior decepção do Rock in Rio (não necessariamente o pior show)? – respostas ao tweet de José Norbert Flesch

O cluster rosa, maior da rede, agrupa termos relacionados aos shows. É interessante notar que os nomes mais próximos ao par “Palco Mundo” são “Ludmilla”, “Avril Lavigne”, que se apresentaram no “Palco Sunset”, e “Fresno”, que participou na “Arena Itaú” a convite do TikTok. Isso indica uma clara insatisfação por parte dos fãs com o local onde os ídolos tocaram, originando demanda para a organização “colocar” esses “artistas” como “atração” do palco principal, onde, devido a suas carreiras, os fãs acreditam que “poderiam”, “deveriam” e “merecem” “estar”. Apesar de mais afastadas, “Luisa Sonza” e “Pabllo Vittar” também são mencionadas nessa reivindicação, indo ao encontro de pedidos para que o Rock in Rio passe a “valorizar” mais artistas “nacionais” (“brasileiros”/“br”) e “latinos”.

Ainda sobre as “atrações”, houve reclamações sobre “algumas” serem “repetidas” no evento, que se torna todo “ano” a “mesma” “coisa”. Por exemplo, mencionam que “ninguem” “aguenta” ou “merece” mais a presença de “Jota Quest” ou “Ivete Sangalo”. Sugerem, então, que a organização possa “estudar” e “selecionar” “melhor” os “artistas” para as próximas edições, de modo a “trazer” “bandas” “diferentes”, citando “Bruno Mars”, “Beyoncé”, “Ariana Grande”, “Rihanna”, “Miley Cyrus” e “Lady Gaga” – esta última ligada a nós que indicam a súplica pelo “amor” de “Deus”.

Além das atrações em cima deles, os “palcos” também foram criticados pela “estrutura”: para quem compareceu ao festival, o “som” estava “baixo” “demais” (“super”), “principalmente” no “Palco Sunset”, que, por sua vez, levou sugestões para que possam “aumentar” tanto em seu “tamanho” quanto no “volume” e “qualidade” do som. Segundo os usuários, ambos os palcos também poderiam contar com “telões” “maiores”.

“Melhorar” corresponde a um grande nó, identificando pedidos para aprimorar o “transporte”, particularmente o “Rock in Rio Express” (“BRT”, “serviço” de “ônibus”); a “segurança”, principalmente na “revista” durante a “entrada”; na “logística” tanto para “entrar” quanto para “sair” na “volta” para “casa”; a “acessibilidade”; e na “organização” das “enormes”, “quilométricas”, “absurdas”, “gigantes” e “intermináveis” “filas” – seja para os “banheiros”, para os “bebedouros” de “água”, para “comer” ou “comprar comida”, ou mesmo para “pegar” “brindes” nos “stands”.

Contudo, o festival também não agradou ao restringir o acesso aos “brinquedos” do local unicamente através de “agendamento” prévio realizado “online” no “app”, numa clara tentativa de diminuir as filas. Ademais, sugeriu-se que os shows pudessem “começar” e “terminar” mais “cedo” e, para além das ossadas do evento, houveram reclamações acerca de “alguns” “cambistas” que “ainda” não “aceitavam” pagamento via “pix”.

O grande “quantidade” de “gente” num mesmo “local” incomodou não apenas nas filas, com “pessoas” “passando” “mal” no “meio” da “multidão”, ou reclamando que “mal” “dava” para “andar”, “ver” ou “ouvir” “nada” “direito”. Dessa forma, algumas respostas sugerem “diminuir” o “número” de “ingressos” “vendidos” por “dia”, além do “preço” dos mesmos. Sobre os ingressos, também foi sinalizado um “golpe” aplicado na compra da versão “digital”, como no “Lolla”, evento ao qual o Rock in Rio foi comparado.

A separação de “gêneros” musicais, tendo, por exemplo, um “dia” dedicado ao “pop” e um ao “emo” não agradou os fãs de “rock”, que pedem para a organização “mudar” o “nome” “oficial” do Rock in Rio.

As 2.365 respostas ao último tweet ofereceram uma rede bastante semelhante à segunda, resultado intuitivamente esperado tendo em vista que o que não agradou é o mesmo que deve ser aprimorado.

Em que o Rock in Rio pode melhorar para a próxima edição? – respostas ao tweet de José Norbert Flesch

Essa correspondência quase simétrica entre os retornos à segunda e à terceira pergunta feita por Flesch é interessante por comprovar as insatisfações do público mas também do ponto de vista da aplicação metodológica, uma vez que comprova a efetividade da metodologia de análise de redes semânticas ao analisar conteúdos textuais diferentes mas com uma mesma linha discursiva geral.

Referências

Danowski, J.A. (1993). Network analysis of message content’. In: Barnett, G. & Richards, W. (eds.): Progress in communication sciences XII, pp.197-222, Ablex, Norwood, NJ.

Os maiores absurdos que um sudestino já te disse

Passeando pelo Twitter algumas semanas atrás, me deparei com o da user @lhonoratus que reproduzo abaixo. Chegou até mim através de um retweet de uma amiga, que respondia à provocação da usuária compartilhando uma dessas situações absurdas com que teve que lidar diante de sudestinos. Eu, particularmente, acho essa categoria muito interessante por si só, pensando que é uma “identidade” que tenho visto pipocar principalmente no Twitter já há alguns anos, no mesmo tom desse tweet que chegou até mim. Acho que essa exploração já rende muita discussão, mas aqui tentei focar apenas neste caso.

Com as mais de 300 respostas que o tweet recebeu, além de os outros modos em que os usuários se apropriaram da mensagem (em resposta como retweet de citação), fiquei realmente curioso para descobrir quais eram esses absurdos. Vasculhando pelas respostas do próprio tweet e conhecendo também o contexto de ambas as categorias de sujeitos, já tinha algumas hipóteses: provavelmente muitas situações constrangedoras (para não falar revoltantes) sobre sotaque/modos de falar, estereótipos direta ou indiretamente associados a classe, etc. – toda a construção que evoca a imagem do nordestino no “encontro” com o outro.

Para testar essas hipóteses, fiz a coleta com o twint (script em Python que faz raspagem de dados do Twitter) de todos os tweets tanto em resposta ao tweet original quanto em formato de citação. Ao total, foram 1.542 tweets de 1.239 usuários diferentes – ou seja, bastante absurdo para ser investigado (embora não possamos afirmar que todos esses 1.500 tweets trazem mensagens correspondentes à proposta do original, visto que podem ser só respostas outras, comentários, etc.). A rede abaixo foi gerada com todo esse montante de dados, tratada no WORDij e elaborada no Gephi com técnicas direcionadas à análise de redes semânticas.

Clique aqui para visualizar em tamanho completo
e clique aqui acessar a rede interativa

A rede foi feita a partir da co-ocorrência entre os termos, ou seja, as conexões que se são representam uma certa “proximidade” disursiva. Foram, ao total após o tratamento, 472 palavras, cuja frequência está de acordo com o tamanho proporcional em que se apresenta na rede. Os laços (as conexões que ligam um termo a outro) também estão com certo peso evidente, conforme o tamanho das linhas – ou seja, quanto mais grossa, mais “forte” a conexão entre as palavras (aparecem juntas com mais frequência). As cores indicam os agrupamentos feitos através da modularidade (própria do software), e nos ajuda a encontrar alguns territórios semânticos específicos.

No entanto, este é um exemplo bem interessante de como a modularidade nem sempre dá conta de “compreender” a complexidade da rede. Os doze clusters identificados pelo software podem ser compreendidos, conforme a minha interpretação, da seguinte forma: desconhecimento/ignorância (29% dos termos, “perguntou” como referência); “elogios” ao revés (27%, “nordeste”); sotaque/fala (15%, “sotaque”); praia/turismo (7%, “pessoa”); comentários (6%, “sudestinos”); cenas do cotidiano (4%, “rua”); deboche/constrangimento (3%, “mudou”); banho (3%, “paulo”); matar (1%, “vontade”); trabalho (-1%, “respondi”); fenótipo (-1%, “olho”); noção (-1%, “nenhuma”).

Esses grupos delimitados por critérios mais quantitativos e identificados em seu contexto semântico/social a partir da minha própria interpretação são um bom direcionamento para entender algumas das respostas que encontramos, mas se os pensarmos individualmente acabamos por ignorar – e, de certo modo, até mesmo ter uma visão equivocada dos – discursos em suas multiplicidades. Em outras palavras, praticamente todos esses clusters (ou melhor, os termos que os constituem) dialogam uns com os outros (ou seja, com termos de diferentes clusters). E a própria configuração do modo como se apresentam foi uma decisão minha, após alguns testes.

O cluster laranja, por exemplo, que chamei de “elogios” ao revés, se estende por boa parte da rede, o que demonstra o quanto carrega certa coesão entre si, mas também tem ligação direta com outras palavras. Em sua localização mais acima, está associado a um determinado modo do que se espera de um nordestina – e diretamente também ligado especificamente à fala, o que corresponde à proximidade com o sotaque. Há, entretanto, para além da fala (que pode ser tanto em sua entonação “cantada” quanto em seu caráter mais distintivo, “educado”), uma associação também a um certo fenótipo racializado – e, aqui, em contexto de surpresa, de inesperado.

Mais abaixo, esse mesmo cluster ainda mantém sua proximidade (e conectividade) com as respostas que destacam especificamente o sotaque (“estranho”, “forte”, “diferente”, “feio”), mas já segue para outro caminho em direção a dimensões semânticas mais generalistas. Há uma aproximação tanto a certos termos relacionados a hábitos alimentícios quanto a algumas outras palavras mais soltas na rede, que ainda assim se localizam dentro de algumas características também estereotipadas. É o caso, por exemplo, da conexão com as perguntas sobre “água” e, mais abaixo, a peixeira e a canoa. Esses que se conectam com cenas do cotidiano e mitos do banho.

Do outro lado, mas ainda bastante ligado a esses outros dois maiores clusters, o azul que chamei de desconhecimento/ignorância (talvez por falta de palavras mais assertivas) também se expande por boa parte da rede, mas que – pelo menos na minha interpretação – tem como ponto de encontro a desinformação (ou estupidez mesmo). Aqui são os termos mais diretamente associados às situações do encontro, em que os usuários contaram as perguntas absurdas que tiveram que ouvir – e que, novamente, reproduzem estereótipos voltados sobretudo para um recorte de classe muito bem estabelecido, que deduz uma suposta carência da região Nordeste.

Um pouco mais distante do centro, é também esse cluster que aponta para mais uma fixão do estereótipo nordestino: o do local para turista ver (e visitar) – é como (e onde) surgem os termos sobre viagem, também ligados a algumas cidades e estados específicos. É também nesse contexto de visita que há um retorno à ignorância para as perguntas sobre “onde” exatamente no Nordeste, tanto por um desconhecimento da constituição geográfica da região quanto por uma generalização ignorante de que todas as pessoas que moram em cidades localizadas nela se conheceriam ou teriam algum nível de proximidade/intimidade.

Acho que vale ainda destacar que todos esses absurdos nem sempre são ouvidos sem com que as pessoas reajam de algum modo mais contundente. O cluster de comentários (“sudestino”, “ouvi”), por exemplo, aponta para o estafamento dessas situações e que dialoga diretamente com o grupo de deboche/constrangimento (“assustado”, “vergonha”). Ou seja, quem fala o que não deve ouve o que não quer: nordestinos, justamente nessas situações constrangedoras/desgastantes, operam astuciosamente para não apenas se livrar daquele desconforto, mas para transferi-lo diretamente para quem os colocou nessa posição.

É uma rede que com certeza pode ser ainda mais (e melhor) explorada e assim pretendo fazer em outra oportunidade mais propícia. Quis trazer aqui para já levantar alguns apontamentos e percepções iniciais, que dialogam também com meu projeto de mestrado. Como próximo passo, talvez tentar ir ainda mais a fundo em todas as nuances das respostas e já dialogar com alguns autores que pensaram esse preconceito de origem geográfica e de lugar, sem perder de vista seu assentamento em classe e raça. No mais, problematizar também os benefícios e os limites da metodologia de análise de redes semânticas.

Diários da Quarentena: relatos de tuiteiros em reclusão

No dia 23 de março de 2020, o blog da Companhia das Letras inaugurou a série “Diários do isolamento”, parte do projeto Leia Em Casa, cerca de duas semanas após a maioria das cidades e estados brasileiros decretarem oficialmente o período de quarentena. Um mês depois, o projeto foi pauta na matéria Querido diário: por que a pandemia inspira tantos relatos autobiográficos, da UOL TAB, que também elencou o alemão Coronarchiv e o estadounidense Corona Diaries como iniciativas acadêmicas de historiadores para criar um registro robusto dos tempos atuais.

Memórias, relatos e registros autobiográficos podem ser importantes fontes para o trabalho de historiadores, pois constroem uma história “mais humana”, ao contemplar diferentes estratos sociais e grupos étnicos (e não apenas a elite) – entre acadêmicos, a área é conhecida como “história da vida cotidiana”. Historiadores cruzam esses materiais com outras fontes (como reportagens publicadas na imprensa ou informes oficiais do governo) para analisar uma época.

Juliana Sayuri, UOL TAB

Sem sombra de dúvidas, estamos vivendo uma das crises globais sobre a qual teremos maior documentação histórica disponível. E uma das fontes mais ricas – e caóticas, ou complexas – para as narrativas dos tempos atuais é a internet. Portanto, quando, no mesmo dia que li essa matéria, surgiu na minha própria timeline do Twitter um relato pessoal explicitamente narrado como “diário de quarentena”, surgiu a curiosidade: o que será que as pessoas estão relatando sobre o seu dia a dia no microblog mais popular da internet?

Antes de seguir nessa jornada, é importante dar um passo para trás e entender o contexto sociocultural no qual a plataforma está inserida principalmente em suas funcionalidades de uso no Brasil. Trata-se de um site de rede social pautado em lógicas de capital social (curtidas, retweets, seguidores) no qual os usuários, (in)voluntariamente, disputam por maior visibilidade. Além disso, é também um espaço cujo público recorrente se difere bastante do Facebook e Instagram, por exemplo, o que condiciona diretamente o que compartilhamos e deixamos de compartilhar.

De modo muito resumido, é por isso que o título desse post não é “Diários da Quarentena: relatos de brasileiros em reclusão”, pois compreendo os limites metodológicos que se enquadram na fonte de dados disponível. É importante ter em vista o que leva uma pessoa a publicar, sobretudo em formato de “diário” (e o que envolve essa compreensão no imaginário social), sobre suas questões e anseios do cotidiano. A proposta aqui é bastante específica: identificar quais são as temáticas sobre as quais usuários brasileiros do Twitter enunciam como diário.

Dito isso, podemos seguir com a metodologia: utilizei o twint para coletar os tweets (agradeço especialmente a meu colega de trabalho, Lucas Neves, do IBPAD, que me ajudou com alguns tropeços nessa coleta), com o termo de busca “diário de/da quarentena”, entre os dias 10 de março e 27 de abril. Importante lembrar, como já sinalizei em outro post, que esse script não coleta retweets (pois faz raspagem, e não acesso via API), o que novamente não é um problema, visto que para os fins desta análise faz mais sentido trabalhar apenas com conteúdos originais.

Utilizei o WORDij parar criar um arquivo de co-ocorrência de palavras que, trabalhado com técnicas de análise de redes no Gephi, me permitiu gerar o grafo que compartilho abaixo. Duas considerações importantes: 1) excluí a menor quantidade de nós (palavras) possível, para que fosse possível navegar a rede e encontrar conexões interessantes (são 8.565 palavras com 62.635 conexões entre elas); 2) executei a modularidade (algoritmo de detecção de comunidades) com valor de resolução menor que o padrão, para tentar identificar o máximo de grupos possíveis.

Clique aqui para acessar a página e visualizar em exibição maior

E são essas duas considerações que “explicam”, de certa forma, a rede estar tão truncada: são muitos nós (palavras) e muitos clusters (coloridos) pequenos/médios. Vale ratificar que o valor extremamente alto de conexões (arestas) também colabora para esse cenário, o que – tecnicamente – dificulta a distribuição de agrupamentos bem delimitados e – analiticamente – aponta para uma utilização constante das mesmas palavras em diferentes distribuições de sentenças (ou seja, é um vocabulário limitado de termos repetidos em várias frases). O que ajuda a encontrar as temáticas, portanto, é a granularização da modularidade.

Ao todo, com o algoritmo de detecção de comunidade do Gephi, consegui identificar 29 territórios semânticos – desde os mais generalistas/conectores até os mais específicos/temáticos. O maior cluster, por exemplo, que denominei “Narrativa”, é composto por termos de apoio (conectores narrativos) aos demais – o mesmo acontece com o grupo “Conectores”. Já os demais possuem particularidades que nos permitem, numa análise conjuntural, delimitar mais especificadamente do que se trata cada um deles – e tentei indicar nomenclaturas suficientemente autoexplicativas.

Nessa direção, a partir dos grupos identificados pela modularidade e sua análise conjuntural, proponho quatro pilares temáticos da conversa: 1) reclusão e ansiedade; 2) pandemia e ansiedade; 3) rotina e atividades; 4) prazer e lazer (a ordenação não segue parâmetro de volumetria, apenas organização descritiva). O primeiro contempla os grupos de inquietudes, (perda da) noção de tempo, emoções, carências sociais, interações familiares, família e amigos, saudades, vontades e desejos. É também uma resposta ao contexto social escancarado pelo segundo, em que o isolamento social se faz necessidade para combater a fatalidade do vírus frente a um cenário político tenebroso.

Por outro lado, em rotina e atividades, onde os usuários comentam sobre o dia-a-dia da quarentena e suas particularidades, desde tarefas domésticas, passando pelos (novos) hábitos de compra de mercadorias, até movimentos de auto-cuidado com a beleza (ou surtos capilares) e a (nova) rotina de aulas de ensino (a distância). Também nesse contexto mais leve, associam-se os termos de prazer e lazer, no qual estão presentes termos relacionados ao consumo audiovisual (Netflix, YouTube, séries, etc.), consumo musical (lives/shows online, Spotify, etc.), jogos (de PC, celular, ou até mesmo correntes) e também leitura.

Destaque auto-centrado da palavra (do nó referente a) “banheiro” e suas conexões nas proximidades

Todos esses subgrupos referidos nas descrições das quatro grandes temáticas estão devidamente apontados na rede interativa – e, portanto, podem ser ainda mais explorados. Além de avaliar os clusters individualmente, vale também navegar pelos termos livremente para perceber como, ainda que haja certa coerência cognitiva entre os agrupamentos semânticos delimitados pela modularidade, as palavras aparecem em diferentes contextos e cenários em associação também aos demais clusters do qual eventualmente não faz parte (como no exemplo acima).

Seria também interessante avaliar a sazonalidade dessas temáticas, tanto no de dias da semana (o que se faz no final de semana difere do restante?, por exemplo) quanto na própria eventual evolução de hábitos de comportamento durante o período da quarentena (os usuários começaram fazendo exercícios e depois passaram a comentar mais sobre receitas?, por exemplo). Essa visão temporal pode acrescentar bastante à análise e ajudar a compreender o cenário de modo ainda mais criterioso. Para os fins que elegemos, entretanto, paramos por aqui hoje; mas, quem sabe num próximo post?

10 artigos sobre performance, análise de redes e métodos digitais

No final do ano passado, finalizei um dos ciclos mais importantes da minha vida: a faculdade. Foram cinco anos na graduação de Estudos de Mídia estudando muito sobre comunicação, cultura, sociologia, política, mídias, identidade, consumo e muito mais. Embora tenha sido um bom aluno (com boas notas), sei que não aproveitei a universidade em todo o seu potencial – em vários sentidos, mas principalmente também quanto ao aprendizado. Sei que não sou completamente responsável por essa negligência – coloca aí na conta a falta de maturidade, um sistema de ensino ainda ultrapassado (mesmo num curso progressista como o meu), despreparo acadêmico, etc. -, mas reconheço que poderia ter aproveitado muito mais.

Inicio hoje aqui no blog, portanto, mais essa série de posts (não tão compromissadas quanto outras que já fiz, sem periodicidade definida nem promessas possivelmente falhas) na tentativa de tirar esse atraso. Acrescento a isso também outros dois motivos principais: 1) o meu “projeto” de mestrado (não o material, mas o projeto enquanto concepção mais abrangente), que engloba uma vontade de me manter atualizado com publicações recentes dentro do meu campo de interesse ao mesmo tempo em que (re)descubro leituras importantes/fundamentais para a minha área; 2) e, não menos importante, o meu humilde desejo – e tentativa constante – de expandir os muros da academia, trazendo-a para espaços mais abertos, já que muitas vezes a produção acadêmica (pública e de excelência, pelo menos no Brasil) não é tão bem aproveitada.

Neste primeiro post, compartilho 10 artigos que li recentemente – nas últimas semanas ou no máximo nos últimos meses. Apenas para fins de conteúdo, separei-os em três categorias: descobertas metodológicas, estudos de caso e reflexões epistemológicas. O primeiro grupo são quatro artigos cujo principal crédito que extrai da leitura foi um quadro de trabalho metodologicamente interessante e possivelmente replicável em futuras pesquisas; O segundo também são estudos de caso, mas o foco principal não é a metodologia e sim a análise com diferentes práticas metodológicas (quantitativas e qualitativas); O terceiro tem um nome pomposo (porque a academia gosta), porém é basicamente um conjunto de artigos que reflete sobre a prática de pesquisa desde a sua composição crítica até sua perspectiva prática.

DESCOBERTAS METODOLÓGICAS

Political Storytelling on Instagram: Key Aspects of Alexander Van der Bellen’s Successful 2016 Presidential Election Campaign (2017)

Karin Liebhart, Petra Bernhardt

This article addresses the strategic use of Instagram in election campaigns for the office of the Austrian Federal President in 2016. Based on a comprehensive visual analysis of 504 Instagram posts from Green-backed but independent presidential candidate Alexander Van der Bellen, who resulted as winner after almost one year of campaigning, this contribution recon- structs key aspects of digital storytelling on Instagram. By identifying relevant image types central to the self-representation of the candidate, this article shows how a politician makes use of a digital platform in order to project and manage desired images. The salience of image types allows for the reconstruction of underlying visual strategies: (1) the highlighting of the candidate’s biography (biographical strategy), (2) the presentation of his campaign team (team strategy), and (3) the pre- sentation of the candidate as a legitimate office holder (incumbent strategy). The article thus sheds light on visual aspects of digital storytelling as relevant factor of political communication.

Este artigo eu li para produzir o relatório EM BUSCA DO MELHOR ÂNGULO: a imagem dos presidenciáveis no Instagram – uma análise quanti-qualitativa com inteligência artificial lançado pelo IBPAD recentemente. As categorias de classificação propostas pelos autores foi replicada nesse novo trabalho, apenas com algumas adaptações/adições às originais. Além da ótima fundamentação teórica e discussão sobre política, também pode ser muito interessante para quem estuda auto-apresentação nas mídias sociais (principalmente no Instagram). Se tudo de certo, espero transformar o relatório que fizemos num artigo ainda mais crítico e reflexivo sobre o modo como esses políticos brasileiros se apresentam na plataforma. Clique aqui para baixar.


‘‘Privacy’’ in Semantic Networks on Chinese Social Media: The Case of Sina Weibo (2013)

Elaine J. Yuan, Miao Feng, James A. Danowski

Unprecedented social and technological developments call into question the meanings and boundaries of privacy in contemporary China. This study examines the discourse of privacy on Sina Weibo, the country’s largest social medium, by performing a semantic network analysis of 18,000 postings containing the word ‘‘ (privacy).’’ The cluster analysis identifies 11 distinct yet organically related concept clusters, each representing a unique dimension of meaning of the complex concept. The interpretation of the findings is situated in the discussion of the rapidly evolving private realm in relation to emerging new contexts of the public realm. Privacy, justified for both its instrumental functions and intrinsic values, both reflects and constitutes new forms of sociality on the sociotechno space of Weibo.

Outro artigo que foi essencial para uma produção minha. Recentemente descobri a partir de indicação de Tarcízio Silva a fantástica ferramenta WORDij. É uma ferramenta que, na verdade, agrega várias mini-ferramentas, mas (por falta de conhecimento) minha utilização tem sido voltada para a rede semântica de palavras que ela é capaz de gerar. No artigo em questão, os pesquisadores a utilizaram para analisar 18.000 posts sobre “privacidade” num site de rede social chinês – e conseguiram identificar 11 clusters distintos a partir da co-ocorrência de palavras, criando um mapa discursivo para os territórios conceituais abordados. Utilizei a mesma metodologia para produzir artigo no prelo, analisando 4.000 comentários de uma notícia do G1. Clique aqui para baixar.


A Forma Perspectiva no Twitter: uma técnica quanti-qualitativa para estudos de Redes Sociais (2014)

Lorena Regattieri, Fábio Malini, Nelson Reis, Jean Medeiros

Como podemos identificar perspectivas em grandes redes, através da aplicação de algoritmos de modularidade? Em humanidades digitais (MORETTI, 2013; JOCKERS, 2013), há um bom número de trabalhos acadêmicos explorando rotinas computacionais para agrupar e analisar grande quantidade de dados. Recentemente, dados sociais tornaram-se uma fonte valiosa para estudar fenômenos coletivos, eles fornecem os meios para compreender a coletividade humana por meio de análise de grafos. Neste trabalho, descrevemos a nossa abordagem sobre a forma da antropologia pós-social (VIVEIROS DE CASTRO, GOLDMAN, 2012), utilizando de técnicas de análise quanti-qualitativa e semântica. Esta técnica utiliza um script python para extrair a rede de co-ocorrência de hashtags de um do Twitter, a fim de aplicar no contexto do software open-source Gephi, gerando grafos. Assim, podemos descobrir o fluxo de perspectivas que envolvem uma controvérsia, categorias que revelam os pontos de vista em um debate disposto na rede. Nesse trabalho, utilizamos como estudo de caso o evento da Copa do Mundo 2014 no Brasil, precisamente, os dados relacionados a rede FIFA. Concluindo, este estudo apresenta um quadro teórico e metodológico baseado nos pós-estruturalistas, uma composição que tem como objetivo apoiar estudos no campo das ciências sociais e humanas, e provoca novas possibilidades para os estudos comunicacionais.

Esse artigo eu resolvi ler porque sabia que abordava propostas metodológicas para apresentação/visualização de redes de co-ocorrência utilizando o Gephi. Ou seja, seria um complemento à ferramenta e processo do artigo anterior. Confesso que a primeira parte, na qual os autores tentam associar a teoria ator-rede e antropologia pós-social com as humanidades digitais, é meio estranha, mas o estudo de caso com hashtags da FIFA apresentado ao fim entrega justamente o que eu estava procurando: melhores práticas para layouts de co-ocorrência no Gephi. Tenho testado as sugestões do artigo e ainda não encontrei uma “fórmula pronta”, mas as reflexões e ponderações de Malini e cia foram importantes para alguns trabalhos que tenho desenvolvido. Clique aqui para baixar.


Facebook and its Disappearing Posts: Data Collection Approaches on Fan-Pages for Social Scientists (2016)

Erick Villegas

Facebook fan-pages are channels of institutional self- representation that allow organizations to post content to virtual audiences. Occasionally, posts seem to disappear from fan-pages, puzzling page administrators and posing reliability risks for social scientists who collect fan-page data. This paper compares three approaches to data collec- tion (manual real-time, manual retrospective, and auto- matic via NVIVO 10®) in order to explore the different fre- quencies of posts collected from six institutional fan-pages. While manual real-time collection shows the highest fre- quency of posts, it is time consuming and subject to man-ual mistakes. Manual retrospective collection is only effec- tive when filters are activated and pages do not show high posting frequency. Automatic collection seems to be the most efficient path, provided the software be run frequently. Results also indicate that the higher the posting frequency is, the less reliable retrospective data collection becomes. The study concludes by recommending social scientists to user either real-time manual collection, or to run a software as frequently as possible in order to avoid bi- ased results by ‘missing’ posts.

Fechando essa categoria, esse artigo foi recomendação de Marcelo Alves. Confesso que quando vi o título, achei que abordaria as (novas) mudanças da API do Facebook – mas não me atentei à data de publicação, que é de 2016. De qualquer forma, é um artigo bem interessante. Apesar da conclusão relativamente óbvia/esperada, foi interessante para conhecer a ferramenta NVIVO10. Ainda não tive a oportunidade de testá-la, mas quando eventualmente o fizer provavelmente trarei aqui para o blog em forma de análise ou tutorial. Recentemente a Netvizz infelizmente tem perdido várias funcionalidades ótimas por causa do cenário caótico em que Zuckerberg nos deixou, então é sempre bom conhecer outras alternativas. Clique aqui para baixar.


ESTUDOS DE CASO

A discussão pública e as redes sociais online: o comentário de notícias no Facebook (2015)

Samuel Barros, Rodrigo Carreiro

O presente artigo faz uma análise das arenas de discussão estabelecidas em páginas de jornais brasileiros no Facebook. A abordagem proposta reconhece a circulação de material político no Facebook como importante na esfera pública contemporânea para a discussão sobre temas de relevância pública. A amostra é composta por 1.164 comentários coletados nas páginas oficiais da Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo. O objetivo é avaliar a qualidade deliberativa dessas arenas, levando em consideração os critérios reciprocidade, provimento de razões, grau da justificativa e respeito, além de discutir elementos estruturais do Facebook, a apropriação social e a discussão pública. No geral, as esferas de conversação da rede criadas em torno das notícias estudadas funcionam como ampliadores da diversidade dos argumentos, demonstrando que, em temas sobre os quais há forte consenso, há uma tendência de ocorrer menores índices de deliberação, além de não haver reciprocidade em quase metade dos comentários e mais de 50% das mensagens não apresentarem qualquer justificativa.

Li esse artigo para tê-lo como referência de uma pesquisa que iria realizar a partir de comentários de uma notícia no Facebook. Esta não se concretizou, mas o artigo ainda assim foi muito interessante. O diferencial da proposta dos autores é que eles não estão interessados numa análise voltada para o conteúdo mais explícito das mensagens (temas, assuntos, etc.), mas nos modos argumentativos e contra-argumentativos dos comentários. Ou seja, a preocupação deles é descobrir se esse ambiente online (comentários de notícias no Facebook) são propícios ou não para um debate saudável, responsável e maduro. A resposta já era de se esperar, mas é sempre bom encontrar referências científicas para sustentar nossas percepções mais óbvias. Clique aqui para baixar.


A fotografia como prática conversacional de dados. Espacialização e sociabilidade digital no uso do Instagram em praças e parques na cidade de Salvador (2018)

André Lemos, Leonardo Pastor

Este artigo investiga empiricamente a prática fotográfica através do aplicativo Instagram. Foram analisadas 305 imagens associadas à geolocalização de quatro praças e parques da cidade de Salvador. A análise foi desenvolvida através de três aspectos: processo de espacialização, processo de sociabilidade e processo de produção de si (retratos e selfies). O uso de metatexto (hashtags, legendas e emojis) e de dados de geolocalização indicam que a prática fotográfica se dá, hoje, como uma prática conversacional de dados. Ela convoca uma ampla rede que passa pelo local escolhido, pelo artefato utilizado, pelas formas de edição e manipulação da imagem, pelos metatextos, pelas geotags, pelo procedimento algorítmico da rede social, pelas formas de compartilhamento… O uso da fotografia em redes sociais é um ator-rede, performativo, algorítmico, muito diferente da prática de produção de fotos analógicas ou mesmo digitais antes do surgimento dessas redes. Isso possibilita aos usuários a criação de um discurso/ narrativa e de uma prática de dados relacionados à fotografia inédita até então.

Recentemente no IBPAD temos trabalhado bastante com projetos e metodologias envolvendo análise de imagens. Este artigo, portanto, surgiu como uma luva para nos acompanhar nessa jornada. Apesar de ser uma análise relativamente simples, cujo foco argumentativo dos autores é ratificar como a relação de sociabilidade entre fotografia e compartilhamento se entrelaça com o aparato algorítmico e “dataficante” das plataformas, o que mais gostei do trabalho foi o apontamento de que estamos sempre nos comunicando. Toda publicação nas mídias sociais comunica alguma coisa para alguém. Esse alguém pode não ter uma delimitação definida, sua recepção pode não ser o que esperamos, mas a mensagem está sempre ali para chegar a um receptor (mesmo que às vezes finjamos que não). Clique aqui para baixar.


O amor nos tempos de Facebook. Narrativas amorosas e performances de si em sites de redes sociais

Deborah Santos

Os sites de redes sociais representam espaços de compartilhamento que estão ressignificando o jeito através do qual as pessoas se relacionam consigo mesmas e com os outros que constituem “sua audiência”. Com a emergência destes espaços, as fronteiras entre o que era considerado como privado e como público estão sendo cada vez mais difusas, e os relatos íntimos encontram nas ágoras virtuais um terreno para se inserir em cenários públicos, reconfigurando assim o limite conceitual que restringe “o íntimo” a espaços de interação limitados em alcance. O presente trabalho é um recorte da minha pesquisa de mestrado e propõe-se entender, partindo da análise de um caso de estudo, de que maneira usuários da rede social Facebook constroem narrativas virtuais durante e após relacionamentos amorosos; usando as ferramentas da etnografia virtual como princípios de aproximação ao nosso objeto e partindo de um caso de estudo particular.

Deborah Rodríguez Santos é mestre e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF e ofereceu, neste período, a disciplina Dinâmicas Identitárias no Ciberespaço para alunos da graduação de Estudos de Mídia. Fiz a mesma matéria alguns anos atrás e por isso me interessei pelo trabalho da pesquisadora, que é orientada por outra referência também já bastante citada aqui no blog: a Profa. Dra. Beatriz Polivanov. O artigo em questão é uma versão (bem) resumida da sua dissertação, que trabalha com a questão da auto-apresentação nos sites de redes sociais (foco no Facebook) a partir do contexto amoroso entre jovens cubanos. Ou seja, além do interessantíssimo debate sobre performance na internet, atravessa também questões culturais específicas e de um lugar desconhecido para a maioria dos brasileiros. Clique aqui para baixar.


“Sabe o que Rola nessa Internet que Ninguém Fala?”: Rupturas de Performances Idealizadas da Maternidade no Facebook

Ana Souza, Beatriz Polivanov

Partindo da observação de que discussões sobre a maternidade têm ganhado visibilidade no Facebook, fazemos aqui uma análise exploratória de uma postagem da mãe, médica e cantora Júlia Rocha. Buscamos atingir os seguintes objetivos principais: 1) investigar que tipos de discursos têm emergido através desse “fenômeno” e de que modos visam desconstruir ou problematizar valores socialmente relacionados à maternidade e 2) entender o lugar de fala através dos quais tais relatos são produzidos, a partir de uma perspectiva pessoal de alguns “nós” na rede. Concluímos que a postagem de Júlia pode ser entendida enquanto uma ruptura de performances idealizadas da maternidade, atrelada a valores como cuidado dos filhos, de si e da relação conjugal, ganhando visibilidade na cultura digital a partir de uma ideia de “sinceridade” ou “autenticidade”.

Ana Luiza de Figueiredo Souza também é mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF. Ao lado de Santos e sob supervisão de Polivanov, ministrou a disciplina de Dinâmicas Identitárias no Ciberespaço em Estudos de Mídia neste período. Ambas participam do grupo de pesquisa MiDICom – Mídias Digitais, Identidade e Comunicação, liderado pela última. O artigo também segue parte da pesquisa realizada por Souza em seu mestrado, na qual trabalha com as temáticas de maternidade, auto-apresentação, narrativas pessoais e dispositivos de visibilidade/controle. Destaco especificamente duas questões legais no texto: a discussão sobre “ruptura de performance”, bastante discutida pelo grupo de pesquisa em seus trabalhos mais recentes; e a ótima referência sobre cinco dimensões de persona online, que conheci nesse artigo e resultou nesse post. Clique aqui para baixar.


REFLEXÕES EPISTEMOLÓGICAS

Disputas sobre performance nos estudos de Comunicação: desafios teóricos, derivas metodológicas (2018)

Adriana Amaral, Thiago Soares, Beatriz Polivanov

O presente artigo discute o termo “performance” nos estudos de Comunicação e mídia a partir de um resgate crítico-teórico do mesmo. Partimos de uma reconstituição conceitual do termo em suas vertentes das Ciências Humanas e Sociais francesa e anglo-saxã para apresentarmos seus desdobramentos no campo comunicacional brasileiro, sobretudo no que tange a temáticas como a música e o entretenimento, os fãs e os sites de redes sociais. Argumentamos que os estudos de performance são relevantes para entender as ações humanas, bem como suas mediações com os corpos, aparatos, ambientes, materialidades e audiências tão corriqueiras no cotidiano da vida contemporânea. Contudo, indicamos a necessidade de rediscussão do conceito para a análise de distintos objetos e ambientes mediados pelas tecnologias de comunicação e apontamos a possibilidade de entender a performance enquanto método de pesquisa.

Esse artigo muito provavelmente se tornará leitura básica/obrigatória em cursos de graduação na área de comunicação mais voltada para a academia. Isso porque, além do time de peso (Amaral, Soares e Polivanov – três referências na área), as autoras fazem um “remonte” teórico das premissas teóricas e epistemológicas que têm sustentado os estudos sobre performance no Brasil em Comunicação. Para isso, acionam a matriz etimológica da palavra francesa, rediscutem ideias de autores já consolidados como Goffman e Giddens, e situam minimamente o cenário de pesquisa sobre performance de gosto (na música e) em sites de redes sociais. Além disso, referenciam também autores não tão conhecidos assim, como Diana Taylor e Richard Schechner, ambos integrantes do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Performance na New York University (NYU) nos Estados Unidos. Clique aqui para baixar.


A reality check(list) for digital methods

Tommaso Venturini, Liliana Bounegru, Jonathan Gray, Richard Rogers

Digital Methods can be defined as the repurposing of the inscriptions generated by digital media for the study of collective phenomena. The strength of these methods comes from their capacity to take advantage of the data and computational capacities of online platforms; their weakness comes from the difficulty to separate the phenomena that they investigate from the features of the media in which they manifest (‘the medium is the message’, according to McLuhan’s 1964 dictum). In this article, we discuss various methodological difficulties deriving from the lack of separation between medium and message and propose eight practical precautions to deal with it.

Fechando com chave de ouro, esse é outro artigo que possivelmente será bibliografia básica nas escolas de comunicação – talvez não para graduação, mas para pós (até pelo idioma). Os autores remontam as premissas da famosa obra Digital Methods de Richard Rogers e fornecem um “guia” teórico-metodológico para a prática de pesquisa digital a partir de oito questões divididas em quatro categorias relevantes. Papel das mídias digitais em relação ao objeto de estudo: quanto do seu objeto de estudo ocorre no plataforma que você está estudando? você está estudando rastros midiáticos por si só ou como proxies (representações)? Definição do objeto de estudo: a sua operacionalização está sintonizada com os formato do plataforma? com as práticas dos usuários da plataforma? Da análise de uma única plataforma à análise de plataformas convergentes: o fenômeno que você está estudando acontece em diferentes plataformas? você possui operacionalizações diferentes porém comparáveis para cada plataforma? Demarcação de corpus e acesso aos dados: o que seu corpus representa? você está levando em consideração as maneiras pelas quais os dados são “entregues” pela plataforma? Clique aqui para baixar.