Categoria: Artigos

Entre identidade e representação: uma análise exploratória da produção acadêmica sobre nordestinos

*Texto originalmente produzido para o XV ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, submetido e não aprovado para o GT de Culturas e Identidades.

Pedro Meirelles(1)

Nas últimas décadas, diversas produções acadêmicas têm se dedicado a compreender como a cultura nordestina tem sido (re)produzida em/para produtos culturais e midiáticos que (re)constroem os sentidos em torno do que significa Nordeste e ser nordestino. Esses trabalhos surgem como esforço coletivo para pensar sobre uma identidade conjugada na esfera cultural da sociedade brasileira que se formou de maneira muito específica, constantemente no lugar de oposição – não necessariamente de forma combativa, mas geralmente enquanto posição de alteridade.

Este artigo surge no contexto do projeto de pesquisa de mestrado desenvolvido pelo autor no Programa de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades da Universidade Federal Fluminense, em que investiga as diferentes narrativas e produções de sentido criadas (e disputadas) em torno do Nordeste e dos nordestinos na internet. A partir do levantamento bibliográfico necessário para a pesquisa, percebeu-se a possibilidade de analisar de modo mais criterioso quais são os estudos desenvolvidos em âmbito científico, com recorte específico das Ciências Sociais e Humanas, sobre questões culturais das categorias simbólicas supracitadas.

O objetivo, portanto, é identificar as principais discussões referentes às noções teóricas de identidade e representação quanto ao Nordeste e aos nordestinos nas produções acadêmicas. Para responder a essa pergunta de pesquisa, foi feito um extenso levantamento de artigos, monografias, dissertações e teses cujo foco do trabalho se sustentava sob esses pilares fundamentais. Através de um processo de classificação e categorização sistemática das produções levantadas, além de um reforço técnico de análise textual e semântica (a ser apresentado e detalhado na metodologia), pretende-se descobrir as principais temáticas, enquadramentos e referenciais teóricos.

É importante ressaltar que, embora o artigo tenha uma proposta semelhante e até procedimentos metodológicos similares às pesquisas denominadas “estado da arte”(2) , não é a intenção do autor que esse seja interpretado de tal forma. A proposta aqui é de trabalhar o levantamento bibliográfico das pesquisas produzidas de modo exploratório, sem intenção alguma de se afirmar enquanto mapeamento totalizante. Ou seja, interessa-nos explorar o objetivo de pesquisa modo mais criativo e menos sistemático, a partir de diferentes técnicas de análise que podem oferecer insumos interessantes sobre os debates teóricos em relação principalmente às abordagens conceituais.

Antes de apresentarmos com mais detalhamento a metodologia e as questões de pesquisa, cabe introduzir uma discussão inicial sobre por que as questões sobre identidade e representação são relevantes para o projeto como um todo e, mais especificamente, como dialogam com a pauta nordestina. Na próxima seção, portanto, situamos o debate acerca da centralidade da cultura a partir principalmente da argumentação de Stuart Hall (1997; 2015; 2016), discutindo esse fenômeno sob a perspectiva dos processos indissociáveis de representação e identidade; e, por fim, identificando brevemente como a questão nordestina se encaixa nesse debate.

Identidade, representação e o circuito da cultura

Em mapeamento exploratório sobre estudos da cultura no Brasil, Pitombo et al. (2015), a partir de corpus específico dos trabalhos publicados no Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura – ENECULT, identifica o eixo temático “Narrativas e representações culturais” como um dos mais populares do evento. A categoria diz respeito a trabalhos que envolvem “a representação e as narrativas acerca da identidade cultural a partir da análise de produtos culturais (…) como programas de TV, músicas, obras literárias, filmes” (p. 12). Embora as autoras não explorem os motivos por trás desse resultado específico, toda a argumentação teórica do texto parte de um mesmo ponto de partida: o interesse crescente de pesquisadores de diferentes campos e áreas para com a centralidade da cultura.

Nesse contexto, o protagonismo da cultura parte de uma perspectiva epistemológica, “em relação às questões de conhecimento e conceitualização, em como a ‘cultura’ é usada para transformar nossa compreensão, explicação e modelos teóricos do mundo” (HALL, 1997, p. 16). Ainda que a cultura em seu sentido mais amplo e dentro do senso comum (produção de hábitos, valores, costumes, normas, tradições, etc. de determinados grupos sociais) tenha um repertório bem antigo, Hall (1997) sinaliza que é no século XX que ela se torna uma problemática para o homem ocidental, quando, principalmente por volta da década de 1950 e 1960, acontece uma espécie de “revolução cultural” que a materializa e a torna substancial tanto na esfera da sociedade(3) civil quanto especificamente para as Ciências Sociais.

A “virada cultural” está intimamente ligada a esta nova atitude em relação à linguagem, pois a cultura não é nada mais do que a soma de diferentes sistemas de classificação e diferentes formações discursivas aos quais a língua recorre a fim de dar significado às coisas. O próprio termo “discurso” refere-se a uma série de afirmações, em qualquer domínio, que fornece uma linguagem para se poder falar sobre um assunto e uma forma de produzir um tipo particular de conhecimento. O termo refere-se tanto à produção de conhecimento através da linguagem e da representação, quanto ao modo como o conhecimento é institucionalizado, modelando práticas sociais e pondo novas práticas em funcionamento.

(id. Ibid, p. 29)

A “virada cultural” define a cultura “como um processo original e igualmente constitutivo, tão fundamental quanto a base econômica ou material para a configuração de sujeitos sociais e acontecimentos históricos” (HALL, 2016, p. 25-26). Epistemologicamente, portanto, a cultura passa a ser interpretada no contexto de outra virada – que Hall chama de “virada linguística” das Ciências Sociais e dos Estudos Culturais –, na qual “o sentido é visto como algo a ser produzido (grafo do autor) – construído – em vez de simplesmente ‘encontrado’” (p. 25). Esse sentido é fruto do que DuGay et al. (1997 apud WOODWARD, 2014) denominaram de “circuito da cultura”, que atravessa diversas áreas e processos/práticas da vida em sociedade.

O argumento desses autores é que “para se obter uma plena compreensão de um texto ou artefato cultural, é necessário analisar os processos de representação, identidade, produção, consumo e regulação” (WOODWARD, 2014, p. 16). Ainda que todos esses processos se atravessem e se influenciem concomitantemente (como melhor representado pelo esquema visual produzido), aqui nos interessa pensar especificamente identidade e representação devido à proposta do projeto, que trabalha com a ideia de disputas de significados e narrativas. Ou seja, voltamos o olhar para as produções de sentido constituintes do circuito cultural a partir da linguagem(4) como “um dos ‘meios’ privilegiados através do qual o sentido se vê elaborado e perpassado”.

Abordamos a questão da identidade cultural, portanto, a partir da discussão em torno do seu caráter construtivo e descentralizado. Nesse cenário, ela é “fixada” através das construções de sentido nas quais “a cultura é usada para restringir ou manter a identidade dentro do grupo e sobre a diferença entre grupos” (HALL, 2016, p. 21-22). Ou seja, de modo simples, as identidades culturais se estabelecem em torno de “comunidades imaginadas” que supostamente compartilham dos mesmos valores, símbolos e mapas conceituais. No entanto, esses elementos não são inerentes às suas essências, mas construídos – e disputados – em diversas arenas culturais. Sobre o sentido de nacionalidade, Hall (2015, p. 31) explica que

As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso — um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos (…). As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas.

A identidade nacional (tomada aqui como exemplo específico, mas correlata à noção mais ampla de identidade), portanto, surge “do diálogo entre os conceitos e definições que são representados para nós pelos discursos de uma cultura e pelo nosso desejo (…) de responder aos apelos feitos por estes significados” (HALL, 1997, p. 26). Ou seja, além da questão que envolve o “fazer parte” de um grupo, há uma segunda instância tão importante quanto que diz respeito aos processos de identificação – e, consequentemente, de construção/representação – de determinados valores simbólicos. O discurso de pertencimento nacional só se legitima através dos sistemas de “significação” que fornece aos indivíduos o mapa mental necessário para se perceber enquanto parte de determinada cultura (Hall, 2016).

Para que possamos pensar e discutir sobre identidade, portanto, temos também que falar sobre outro processo-chave do circuito cultural: a representação. É esta esfera que nos oferece tanto os signos quanto os significados necessários para que possamos nos posicionar, ou seja, “é por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos” (WOORDWARD, 2014, p. 18). Fica evidente, portanto, como todos esses referenciais teóricos – identidade, representação e cultura – devem ser observados, conforme nossa linha de argumento e filiação, sob uma perspectiva construtivista na qual há uma disputa constante pela produção – e identificação – de sentidos compartilhados.

O argumento que estarei considerando aqui é que, na verdade, as identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação. Nós só sabemos o que significa ser inglês” devido ao modo como a “inglesidade” (Englishness) veio a ser representada — como um conjunto de significados — pela cultura nacional inglesa. Segue-se que a nação não é apenas uma entidade política mas algo que produz sentidos — um sistema de representação cultural. As pessoas não são apenas cidadãos/ãs legais de uma nação; elas participam da ideia da nação tal como representada em sua cultura nacional.

(HALL, 2015, p. 30)

É sob essa linha de pensamento teórico que vários trabalhos de produção acadêmica (artigos, monografias, dissertações e teses) têm feito um esforço para tentar compreender e discutir a identidade e a representação nordestina no âmbito da cultura nacional. Partindo tanto de pesquisas teóricas quanto de pesquisas empíricas e/ou estudos de caso, essas produções analisam – sob diferentes perspectivas – como o Nordeste “nasceu”, foi e continua sendo narrado na arena discursiva da sociedade brasileira. Ou seja, uma vez que a identidade é uma construção fruto dos processos de representação de uma cultura, esses estudos trazem à tona discussões sobre esse circuito para com as categorias “nordestinos” e “Nordeste”.

O que faz “ser” nordestino? Como se inventou o Nordeste? Como meios de comunicação de massa representaram e representam historicamente os nordestinos e o Nordeste? Como a literatura nacional ajudou na criação de uma imagem regionalista? Como as políticas de gestão federal influenciaram no jogo de articulações para a criação da região? Como a música, principalmente o forró, tornou-se um dos principais narradores da legítima experiência nordestina? Como o cinema nacional e as produções audiovisuais televisivas corroboraram em todo esse processo? Essas são algumas das perguntas que envolvem tanto identidade quanto representação e fazem parte do escopo teórico por trás das produções a serem analisadas.

Questões da pesquisa e metodologia

Tendo em vista a relevância – social e epistemológica – dos trabalhos sobre as narrativas e produções de sentido em torno do Nordeste e dos nordestinos enquanto categorias culturais, estabelecemos como objetivo principal e secundários deste trabalho, respectivamente, as seguintes questões:

  • Quais são as discussões e os debates em torno das questões de identidade e representação do Nordeste nas produções acadêmicas?
    • Quais são as categorias temáticas gerais (referentes ao objeto de pesquisa) dessas produções? Ex: Cinema, Música, etc.
    • Quais são as referências bibliográficas que se apresentam com maior frequência nesses recortes?

O primeiro passo para responder a esses questionamentos foi encontrar um corpus de análise minimamente significativo. Foi realizado, então, um levantamento de produções científicas a partir da plataforma de pesquisa acadêmica do Google(5) . Novamente, como o artigo não tem a ambição de fazer um mapeamento completo referente ao estado da arte da temática aqui abordada, esse processo foi mais exaustivo do que totalizante: foram selecionadas 165 produções acadêmicas(6) encontradas a partir da listagem ranqueada por ordem de relevância (segundo critérios da plataforma) que traziam discussões concomitantes sobre identidade, representação e Nordeste.

O segundo passo necessário, após o levantamento de essas produções, foi criar um aporte analítico capaz de nos fornecer as informações requisitadas referentes a cada uma das perguntas da pesquisa. Criamos, então, uma planilha(7) com as seguintes variáveis a serem preenchidas com os dados de cada produção encontrada: tema/área, título, autor(es/as), resumo, ano, bibliografia e tipo de trabalho. Essa categorização sistemática dos dados levantados permite que possamos começar a delinear as respostas que desejamos fornecer às questões deste trabalho. Na próxima seção, apresentamos como ficou a disposição de corpus e resultados da análise.

Resultados da análise exploratória

FIGURA 01 – Gráficos referente ao Tipo e Ano das publicações
FONTE – O autor

Dentre as produções acadêmicas mapeadas, a grande maioria foram do tipo Artigo (70%) – referentes a apresentações em eventos, anais de congressos, projetos científicos, etc.; seguido de Monografia (15%) e Dissertação (11%), com apenas quatro Teses (2%) encontradas. Quanto à época de produção dos trabalhos, há uma concentração relativamente estável sobretudo na última década (de 2009 em diante), com um pico considerável em 2014 – não há nenhuma novidade ou acontecimento explícito nos dados que provoque esse aumento repentino, visto que os trabalhos desse ano específico abordam temas antigos em geral (principalmente Literatura e Música).

É importante ratificar que essas informações não dizem respeito à toda produção acadêmica sobre identidade, representação e Nordeste/nordestinos, mas pode ser vista como indicativo para possíveis futuros mapeamentos mais aprofundados – e, principalmente, delimitam e apresentam o corpus de análise selecionado. É nesse mesmo contexto que apresentamos na Figura 02, na qual foram contabilizadas as Áreas/Temas dos trabalhos (referentes especificamente aos objetos de pesquisa e/ou discussão teórica). Foram identificadas em apenas um trabalho: Turismo, Teatro, Religião, Letras, Biblioteconomia, Política, Direito e Artes.

FIGURA 02 – Gráfico referente às Áreas/Temas dos trabalhos
FONTE – O autor

As produções sobre Cinema (20%), Música (20%) e Literatura (19%) somam juntas mais da metade do corpus de análise. São trabalhos que analisam especificamente ou de maneira mais abrangente como as produções culturais – filmes, canções, cantores(as), romances, cordel, etc. – dessas áreas atravessam, influenciam ou envolvem questões relacionadas à (construção da) identidade nordestina e da representação do Nordeste e do povo nordestino. Na Figura 03, três esquemas de nuvens de palavras (mais frequentes) foram produzidos 8 a partir dos títulos dos trabalhos para ilustrar alguns dos assuntos recorrentes em cada uma dessas categorias.

FIGURA 03 – Nuvens de palavras de termos mais frequentes nos títulos dos trabalhos por categoria
FONTE – O autor

Retomando a Figura 02, temos ainda vários trabalhos que foram classificados na categoria Geral. As produções aqui atribuídas trabalham as questões de identidade, representação e Nordeste sob uma perspectiva mais conceitual e teórica, sem um recorte específico de objeto de estudo e/ou análise. Já Pedagogia e Migração/Territorialidade apontam produções bem específicas, abordando, respectivamente, como o Nordeste é/pode ser visto em sala de aula (ou no processo de ensino e aprendizagem como um todo), e em estudos que discutem sobre a questão da migração nordestina em relação também a uma noção de territorialidade.

As produções sobre Internet são, em sua maioria, estudos de caso sobre páginas da web e/ou de mídias sociais nas quais a identidade nordestina é reconfigurada simbolicamente para o “ciberterritório”. Em Televisão, autores discutem sobre o modo como o Nordeste e os nordestinos são representados/retratados nas narrativas audiovisuais “fictícias”, assim como acontece nos trabalhos categorizados em Imprensa. Por fim, a categoria Gênero surge não necessariamente como uma temática, mas como uma área de pesquisa – que, aqui especificamente, discute principalmente as questões sobre a “masculinidade” nordestina.

Em sequência, interessa-nos também descobrir quais são os autores mais populares que embasam essas discussões. Para isso, foi desenvolvido um código em linguagem de programação R que contabilizou todos os termos em caixa alta (conforme padronização nos modelos da ABNT) das bibliografias mapeadas; em seguida, averiguou-se, a partir da listagem em ordem de maior frequência, quais eram referentes a autores (e excluídos termos como siglas de universidade, nomes de editoras, etc.); para finalizar, a verificação final foi feita com o software AntConc(9) . A listagem dos autores mais citados com o número de ocorrências está disposta a seguir:

AutoresFrequência Bibliográfica
Durval Muniz de Albuquerque182
Stuart Hall98
Michel Foucault62
Tomaz Tadeu da Silva47
Zygmunt Bauman43
Eni Pucicinelli Orlandi39
Mikhail Bakhtin39
Gilberto Freyre39
Néstor García Canclini36
Alfredo Bosi33
Pierre Bourdieu31
Luís da Câmara Cascudo31
Renato Ortiz30
Homi K. Bhabha25
Michel Pêcheux24
Antônio Cândido24
Euclides da Cunha22
Ariano Suassuna22
Patativa do Assaré21
Maria do Rosário Gregolin21
Ismail Xavier21
Maura Penna21
Michel de Certeau20
Luiz Paulo da Moita Lopes20
Roger Chartier19

Destaca-se evidentemente a relevância do autor Durval Muniz de Albuquerque Jr., que aparece com uma numeração superior à própria totalidade de artigos mapeados (165) devido à presença de citações a mais de um dos seus trabalhos num único artigo. Além de A invenção do Nordeste e outras artes (1999), sua produção mais popular, outras obras de sua autoria como Nordestino: uma invenção do falo: uma história de gênero masculino (2003) e Preconceito contra a origem geográfica e de lugar: as fronteiras da discórdia também receberam menções expressivas. O historiador, inquestionavelmente, é a principal referência sobre Nordeste e nordestinos na academia.

Stuart Hall é o segundo autor mais citado nos trabalhos, sobretudo por suas obras A identidade cultural na pós-modernidade (2006) e Da diáspora: identidades e mediações culturais (2003). Assim como Tomaz Tadeu da Silva – cuja publicação Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais (2005) também foi bastante referenciada e consta, inclusive, com um texto de autoria de Hall –, são os teóricos mais populares neste campo para discutir a questão da identidade. Ainda que Zygmunt Bauman também faça parte desse jogo, com Identidade: Entrevista a Benedetto Vecchi (2005), o filósofo recebe mais atenção quanto à questão da modernidade.

Outro nome também bastante conhecido da comunidade acadêmica, Michel Foucault acumula pontos de modo razoavelmente equilibrado entre suas obras: Arqueologia do saber (1969), A ordem do Discurso (1970) e Microfísica do Poder (1978). Há de ser feita uma investigação mais profunda sobre qual é o diálogo que os autores promovem com o filósofo, no entanto, a partir da leitura de alguns resumos que o citam de modo específico, pôde-se identificar sobretudo as questões que envolvem relações de poder e a ênfase na Análise do Discurso enquanto abordagem teórico- metodológica desenvolvida por vários trabalhos.

Esse campo também ganha corpo com a presença notória de nomes como Eni Pucicinelli Orlandi, Michel Pêcheux, Maria do Rosário Gregolin e Luiz Paulo da Moita Lopes. Os trabalhos desenvolvidos em diálogo com esses autores geralmente advêm da área de Comunicação, onde a Análise do Discurso é bastante popular para desenvolver pesquisa sobre produtos culturais/midiáticos. Por outro lado, sob uma perspectiva mais “culturalista”, autores como Mikhail Bakhtin, Néstor García Canclini, Homi Bhabha e Pierre Bourdieu oferecem os conceitos e um modo de pensar esses mesmos produtos a partir de contextualizações mais antropológicas e sociológicas.

Vale comentar ainda aqueles autores que oferecem o panorama teórico para discutir sobre a cultura brasileira e/ou nordestina de modo mais abrangente, liderados por Gilberto Freyre em suas diferentes publicações. Somam a essa lista Luís da Câmara Cascudo, Renato Ortiz, Antônio Cândido e Alfredo Bosi – esses últimos cujo trabalho se desenvolve bastante em cima da Literatura, área já referida como de bastante importância para as questões em cena aqui. Importante citar, nesse sentido, a presença de Euclides da Cunha, Ariano Suassuna e Patativa Assaré, que, assim como Freyre, são fontes e objetos de estudo dessas produções.

Considerações finais

A ideia do artigo surgiu a partir de uma demanda produtiva-pessoal do autor para com o desenvolvimento do seu projeto de mestrado. A proposta do trabalho foi realizar um levantamento exploratório das produções acadêmicas sobre o Nordeste e sobre os nordestinos quanto às questões de identidade e representação, de modo a esquematizar minimamente quais são as áreas e temáticas mais comuns para pensar – e teorizar – todas essas questões no ambiente acadêmico.

Como resultado desse processo, foi possível identificar que trabalhos sobre Cinema, Música e Literatura são recorrentes nas discussões sobre produções de sentidos e significados em torno de Nordeste e nordestinos. Uma análise com mais afinco da bibliografia dos trabalhos mapeados permitiu também identificar que o historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr. é a autoridade no assunto, enquanto que teóricos como Stuart Hall, Michel Foucault, Tomaz Tadeu da Silva e Zygmunt Bauman fornecem o arcabouço conceitual para as discussões travadas.

Por fim, ressalta-se mais uma vez o caráter exploratório da pesquisa e as possibilidades de desdobramentos para um futuro trabalho. Expandindo a análise, seria possível pensar em investigar cada um dos campos/áreas temáticas principais, para identificar preferências teóricas ou de métodos; voltando o olhar para a bibliografia, seria possível também tensionar a lista de autores mais citados para discutir a popularidade de alguns específicos; ou, ainda, analisar o local da produção para pensar a relação autor-identidade-nordeste e a associação Nordeste x estados, para localizar os Nordestes sobre o qual estão discutindo.

Notas
  1. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades da Universidade Federal Fluminense (PPCULT/UFF).
  2. “Definidas como de caráter bibliográfico, elas parecem trazer em comum o desafio de mapear e de discutir uma certa produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento, tentando responder que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares, de que formas e em que condições têm sido produzidas certas dissertações de mestrado, teses de doutorado, publicações em periódicos e comunicações em anais de congressos e de seminários. Também são reconhecidas por realizarem uma metodologia de caráter inventariante e descritivo da produção acadêmica e científica sobre o tema que busca investigar, à luz de categorias e facetas que se caracterizam enquanto tais em cada trabalho e no conjunto deles, sob os quais o fenômeno passa a ser analisado.” (FERREIRA, 2002, p. 258)
  3. Além da dimensão epistemológica, Hall (1997, p. 27) cita quatro dimensões gerais para discutir a centralidade da cultura: “a ascensão dos novos domínios, instituições e tecnologias associadas às indústrias culturais que transformaram as esferas tradicionais da economia, indústria, sociedade e da cultura em si; a cultura vista como uma força de mudança histórica global; a transformação cultural do quotidiano; a centralidade da cultura na formação das identidades pessoais e sociais”.
  4. “Colocando em termos simples, cultura diz respeito a “significados compartilhados”. Ora, a linguagem nada mais é do que o meio privilegiado pelo qual “damos sentido” às coisas, onde o significado é produzido e intercambiado. Significados só podem ser compartilhados pelo acesso comum à linguagem. Assim, esta se torna fundamental para os sentidos e para a cultura e vem sendo invariavelmente considerada o repositório-chave de valores e significados culturais.” (HALL, 2016, p. 18)
  5. Google Scholar: https://scholar.google.com.br/
  6. A coleta foi feita a partir da query de busca “identidade nordestina” OR (identidade AND nordeste) OR (representação AND nordestinos) OR (representação AND nordestinas) entre março e abril de 2019; e o critério de recorte foi a presença dos termos identidade(s), representação(ões), narrativa(s), sentido(s) ou cultura(s) no título ou resumo do trabalho, em consonância com o enfoque quanto às categorias-mães Nordeste/nordestino(as) (não específicas aos estados); foram desconsiderados trabalhos que não continham resumo (capítulos de livro, ensaios, etc.).
  7. A planilha está disponível online e pode ser acessada no link:
  8. Os termos “nordeste”, “nordestino(a)” e “nordestino(as)” foram removidos para melhor visualização. Optou-se por manter “identidade” e “representação” para perceber como essas duas terminologias aparecem – ou não – em categorias específicas.
  9. Software de análise de texto: http://www.laurenceanthony.net/software/antconc/
Referências bibliográficas

FERREIRA, Norma. Pesquisas denominadas estado da arte: possibilidades e limites. Educação e Sociedade, Campinas, v. 1, n.79, p. 257-274, 2002.
HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & realidade, v. 22, n. 2, 1997.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2015.
HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2016.
PITOMBO, Mariella; RUBIM, Lindinalva; SOUZA, Delmira. ESTUDOS DA CULTURA NO BRASIL:
UMA ANÁLISE A PARTIR DO ENECULT. In: XI Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura – XI ENECULT, 2015, Salvador. Salvador: CULT, 2015. v. 1.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, p. 7-72, 2014.

10 artigos sobre performance, análise de redes e métodos digitais

No final do ano passado, finalizei um dos ciclos mais importantes da minha vida: a faculdade. Foram cinco anos na graduação de Estudos de Mídia estudando muito sobre comunicação, cultura, sociologia, política, mídias, identidade, consumo e muito mais. Embora tenha sido um bom aluno (com boas notas), sei que não aproveitei a universidade em todo o seu potencial – em vários sentidos, mas principalmente também quanto ao aprendizado. Sei que não sou completamente responsável por essa negligência – coloca aí na conta a falta de maturidade, um sistema de ensino ainda ultrapassado (mesmo num curso progressista como o meu), despreparo acadêmico, etc. -, mas reconheço que poderia ter aproveitado muito mais.

Inicio hoje aqui no blog, portanto, mais essa série de posts (não tão compromissadas quanto outras que já fiz, sem periodicidade definida nem promessas possivelmente falhas) na tentativa de tirar esse atraso. Acrescento a isso também outros dois motivos principais: 1) o meu “projeto” de mestrado (não o material, mas o projeto enquanto concepção mais abrangente), que engloba uma vontade de me manter atualizado com publicações recentes dentro do meu campo de interesse ao mesmo tempo em que (re)descubro leituras importantes/fundamentais para a minha área; 2) e, não menos importante, o meu humilde desejo – e tentativa constante – de expandir os muros da academia, trazendo-a para espaços mais abertos, já que muitas vezes a produção acadêmica (pública e de excelência, pelo menos no Brasil) não é tão bem aproveitada.

Neste primeiro post, compartilho 10 artigos que li recentemente – nas últimas semanas ou no máximo nos últimos meses. Apenas para fins de conteúdo, separei-os em três categorias: descobertas metodológicas, estudos de caso e reflexões epistemológicas. O primeiro grupo são quatro artigos cujo principal crédito que extrai da leitura foi um quadro de trabalho metodologicamente interessante e possivelmente replicável em futuras pesquisas; O segundo também são estudos de caso, mas o foco principal não é a metodologia e sim a análise com diferentes práticas metodológicas (quantitativas e qualitativas); O terceiro tem um nome pomposo (porque a academia gosta), porém é basicamente um conjunto de artigos que reflete sobre a prática de pesquisa desde a sua composição crítica até sua perspectiva prática.

DESCOBERTAS METODOLÓGICAS

Political Storytelling on Instagram: Key Aspects of Alexander Van der Bellen’s Successful 2016 Presidential Election Campaign (2017)

Karin Liebhart, Petra Bernhardt

This article addresses the strategic use of Instagram in election campaigns for the office of the Austrian Federal President in 2016. Based on a comprehensive visual analysis of 504 Instagram posts from Green-backed but independent presidential candidate Alexander Van der Bellen, who resulted as winner after almost one year of campaigning, this contribution recon- structs key aspects of digital storytelling on Instagram. By identifying relevant image types central to the self-representation of the candidate, this article shows how a politician makes use of a digital platform in order to project and manage desired images. The salience of image types allows for the reconstruction of underlying visual strategies: (1) the highlighting of the candidate’s biography (biographical strategy), (2) the presentation of his campaign team (team strategy), and (3) the pre- sentation of the candidate as a legitimate office holder (incumbent strategy). The article thus sheds light on visual aspects of digital storytelling as relevant factor of political communication.

Este artigo eu li para produzir o relatório EM BUSCA DO MELHOR ÂNGULO: a imagem dos presidenciáveis no Instagram – uma análise quanti-qualitativa com inteligência artificial lançado pelo IBPAD recentemente. As categorias de classificação propostas pelos autores foi replicada nesse novo trabalho, apenas com algumas adaptações/adições às originais. Além da ótima fundamentação teórica e discussão sobre política, também pode ser muito interessante para quem estuda auto-apresentação nas mídias sociais (principalmente no Instagram). Se tudo de certo, espero transformar o relatório que fizemos num artigo ainda mais crítico e reflexivo sobre o modo como esses políticos brasileiros se apresentam na plataforma. Clique aqui para baixar.


‘‘Privacy’’ in Semantic Networks on Chinese Social Media: The Case of Sina Weibo (2013)

Elaine J. Yuan, Miao Feng, James A. Danowski

Unprecedented social and technological developments call into question the meanings and boundaries of privacy in contemporary China. This study examines the discourse of privacy on Sina Weibo, the country’s largest social medium, by performing a semantic network analysis of 18,000 postings containing the word ‘‘ (privacy).’’ The cluster analysis identifies 11 distinct yet organically related concept clusters, each representing a unique dimension of meaning of the complex concept. The interpretation of the findings is situated in the discussion of the rapidly evolving private realm in relation to emerging new contexts of the public realm. Privacy, justified for both its instrumental functions and intrinsic values, both reflects and constitutes new forms of sociality on the sociotechno space of Weibo.

Outro artigo que foi essencial para uma produção minha. Recentemente descobri a partir de indicação de Tarcízio Silva a fantástica ferramenta WORDij. É uma ferramenta que, na verdade, agrega várias mini-ferramentas, mas (por falta de conhecimento) minha utilização tem sido voltada para a rede semântica de palavras que ela é capaz de gerar. No artigo em questão, os pesquisadores a utilizaram para analisar 18.000 posts sobre “privacidade” num site de rede social chinês – e conseguiram identificar 11 clusters distintos a partir da co-ocorrência de palavras, criando um mapa discursivo para os territórios conceituais abordados. Utilizei a mesma metodologia para produzir artigo no prelo, analisando 4.000 comentários de uma notícia do G1. Clique aqui para baixar.


A Forma Perspectiva no Twitter: uma técnica quanti-qualitativa para estudos de Redes Sociais (2014)

Lorena Regattieri, Fábio Malini, Nelson Reis, Jean Medeiros

Como podemos identificar perspectivas em grandes redes, através da aplicação de algoritmos de modularidade? Em humanidades digitais (MORETTI, 2013; JOCKERS, 2013), há um bom número de trabalhos acadêmicos explorando rotinas computacionais para agrupar e analisar grande quantidade de dados. Recentemente, dados sociais tornaram-se uma fonte valiosa para estudar fenômenos coletivos, eles fornecem os meios para compreender a coletividade humana por meio de análise de grafos. Neste trabalho, descrevemos a nossa abordagem sobre a forma da antropologia pós-social (VIVEIROS DE CASTRO, GOLDMAN, 2012), utilizando de técnicas de análise quanti-qualitativa e semântica. Esta técnica utiliza um script python para extrair a rede de co-ocorrência de hashtags de um do Twitter, a fim de aplicar no contexto do software open-source Gephi, gerando grafos. Assim, podemos descobrir o fluxo de perspectivas que envolvem uma controvérsia, categorias que revelam os pontos de vista em um debate disposto na rede. Nesse trabalho, utilizamos como estudo de caso o evento da Copa do Mundo 2014 no Brasil, precisamente, os dados relacionados a rede FIFA. Concluindo, este estudo apresenta um quadro teórico e metodológico baseado nos pós-estruturalistas, uma composição que tem como objetivo apoiar estudos no campo das ciências sociais e humanas, e provoca novas possibilidades para os estudos comunicacionais.

Esse artigo eu resolvi ler porque sabia que abordava propostas metodológicas para apresentação/visualização de redes de co-ocorrência utilizando o Gephi. Ou seja, seria um complemento à ferramenta e processo do artigo anterior. Confesso que a primeira parte, na qual os autores tentam associar a teoria ator-rede e antropologia pós-social com as humanidades digitais, é meio estranha, mas o estudo de caso com hashtags da FIFA apresentado ao fim entrega justamente o que eu estava procurando: melhores práticas para layouts de co-ocorrência no Gephi. Tenho testado as sugestões do artigo e ainda não encontrei uma “fórmula pronta”, mas as reflexões e ponderações de Malini e cia foram importantes para alguns trabalhos que tenho desenvolvido. Clique aqui para baixar.


Facebook and its Disappearing Posts: Data Collection Approaches on Fan-Pages for Social Scientists (2016)

Erick Villegas

Facebook fan-pages are channels of institutional self- representation that allow organizations to post content to virtual audiences. Occasionally, posts seem to disappear from fan-pages, puzzling page administrators and posing reliability risks for social scientists who collect fan-page data. This paper compares three approaches to data collec- tion (manual real-time, manual retrospective, and auto- matic via NVIVO 10®) in order to explore the different fre- quencies of posts collected from six institutional fan-pages. While manual real-time collection shows the highest fre- quency of posts, it is time consuming and subject to man-ual mistakes. Manual retrospective collection is only effec- tive when filters are activated and pages do not show high posting frequency. Automatic collection seems to be the most efficient path, provided the software be run frequently. Results also indicate that the higher the posting frequency is, the less reliable retrospective data collection becomes. The study concludes by recommending social scientists to user either real-time manual collection, or to run a software as frequently as possible in order to avoid bi- ased results by ‘missing’ posts.

Fechando essa categoria, esse artigo foi recomendação de Marcelo Alves. Confesso que quando vi o título, achei que abordaria as (novas) mudanças da API do Facebook – mas não me atentei à data de publicação, que é de 2016. De qualquer forma, é um artigo bem interessante. Apesar da conclusão relativamente óbvia/esperada, foi interessante para conhecer a ferramenta NVIVO10. Ainda não tive a oportunidade de testá-la, mas quando eventualmente o fizer provavelmente trarei aqui para o blog em forma de análise ou tutorial. Recentemente a Netvizz infelizmente tem perdido várias funcionalidades ótimas por causa do cenário caótico em que Zuckerberg nos deixou, então é sempre bom conhecer outras alternativas. Clique aqui para baixar.


ESTUDOS DE CASO

A discussão pública e as redes sociais online: o comentário de notícias no Facebook (2015)

Samuel Barros, Rodrigo Carreiro

O presente artigo faz uma análise das arenas de discussão estabelecidas em páginas de jornais brasileiros no Facebook. A abordagem proposta reconhece a circulação de material político no Facebook como importante na esfera pública contemporânea para a discussão sobre temas de relevância pública. A amostra é composta por 1.164 comentários coletados nas páginas oficiais da Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo. O objetivo é avaliar a qualidade deliberativa dessas arenas, levando em consideração os critérios reciprocidade, provimento de razões, grau da justificativa e respeito, além de discutir elementos estruturais do Facebook, a apropriação social e a discussão pública. No geral, as esferas de conversação da rede criadas em torno das notícias estudadas funcionam como ampliadores da diversidade dos argumentos, demonstrando que, em temas sobre os quais há forte consenso, há uma tendência de ocorrer menores índices de deliberação, além de não haver reciprocidade em quase metade dos comentários e mais de 50% das mensagens não apresentarem qualquer justificativa.

Li esse artigo para tê-lo como referência de uma pesquisa que iria realizar a partir de comentários de uma notícia no Facebook. Esta não se concretizou, mas o artigo ainda assim foi muito interessante. O diferencial da proposta dos autores é que eles não estão interessados numa análise voltada para o conteúdo mais explícito das mensagens (temas, assuntos, etc.), mas nos modos argumentativos e contra-argumentativos dos comentários. Ou seja, a preocupação deles é descobrir se esse ambiente online (comentários de notícias no Facebook) são propícios ou não para um debate saudável, responsável e maduro. A resposta já era de se esperar, mas é sempre bom encontrar referências científicas para sustentar nossas percepções mais óbvias. Clique aqui para baixar.


A fotografia como prática conversacional de dados. Espacialização e sociabilidade digital no uso do Instagram em praças e parques na cidade de Salvador (2018)

André Lemos, Leonardo Pastor

Este artigo investiga empiricamente a prática fotográfica através do aplicativo Instagram. Foram analisadas 305 imagens associadas à geolocalização de quatro praças e parques da cidade de Salvador. A análise foi desenvolvida através de três aspectos: processo de espacialização, processo de sociabilidade e processo de produção de si (retratos e selfies). O uso de metatexto (hashtags, legendas e emojis) e de dados de geolocalização indicam que a prática fotográfica se dá, hoje, como uma prática conversacional de dados. Ela convoca uma ampla rede que passa pelo local escolhido, pelo artefato utilizado, pelas formas de edição e manipulação da imagem, pelos metatextos, pelas geotags, pelo procedimento algorítmico da rede social, pelas formas de compartilhamento… O uso da fotografia em redes sociais é um ator-rede, performativo, algorítmico, muito diferente da prática de produção de fotos analógicas ou mesmo digitais antes do surgimento dessas redes. Isso possibilita aos usuários a criação de um discurso/ narrativa e de uma prática de dados relacionados à fotografia inédita até então.

Recentemente no IBPAD temos trabalhado bastante com projetos e metodologias envolvendo análise de imagens. Este artigo, portanto, surgiu como uma luva para nos acompanhar nessa jornada. Apesar de ser uma análise relativamente simples, cujo foco argumentativo dos autores é ratificar como a relação de sociabilidade entre fotografia e compartilhamento se entrelaça com o aparato algorítmico e “dataficante” das plataformas, o que mais gostei do trabalho foi o apontamento de que estamos sempre nos comunicando. Toda publicação nas mídias sociais comunica alguma coisa para alguém. Esse alguém pode não ter uma delimitação definida, sua recepção pode não ser o que esperamos, mas a mensagem está sempre ali para chegar a um receptor (mesmo que às vezes finjamos que não). Clique aqui para baixar.


O amor nos tempos de Facebook. Narrativas amorosas e performances de si em sites de redes sociais

Deborah Santos

Os sites de redes sociais representam espaços de compartilhamento que estão ressignificando o jeito através do qual as pessoas se relacionam consigo mesmas e com os outros que constituem “sua audiência”. Com a emergência destes espaços, as fronteiras entre o que era considerado como privado e como público estão sendo cada vez mais difusas, e os relatos íntimos encontram nas ágoras virtuais um terreno para se inserir em cenários públicos, reconfigurando assim o limite conceitual que restringe “o íntimo” a espaços de interação limitados em alcance. O presente trabalho é um recorte da minha pesquisa de mestrado e propõe-se entender, partindo da análise de um caso de estudo, de que maneira usuários da rede social Facebook constroem narrativas virtuais durante e após relacionamentos amorosos; usando as ferramentas da etnografia virtual como princípios de aproximação ao nosso objeto e partindo de um caso de estudo particular.

Deborah Rodríguez Santos é mestre e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF e ofereceu, neste período, a disciplina Dinâmicas Identitárias no Ciberespaço para alunos da graduação de Estudos de Mídia. Fiz a mesma matéria alguns anos atrás e por isso me interessei pelo trabalho da pesquisadora, que é orientada por outra referência também já bastante citada aqui no blog: a Profa. Dra. Beatriz Polivanov. O artigo em questão é uma versão (bem) resumida da sua dissertação, que trabalha com a questão da auto-apresentação nos sites de redes sociais (foco no Facebook) a partir do contexto amoroso entre jovens cubanos. Ou seja, além do interessantíssimo debate sobre performance na internet, atravessa também questões culturais específicas e de um lugar desconhecido para a maioria dos brasileiros. Clique aqui para baixar.


“Sabe o que Rola nessa Internet que Ninguém Fala?”: Rupturas de Performances Idealizadas da Maternidade no Facebook

Ana Souza, Beatriz Polivanov

Partindo da observação de que discussões sobre a maternidade têm ganhado visibilidade no Facebook, fazemos aqui uma análise exploratória de uma postagem da mãe, médica e cantora Júlia Rocha. Buscamos atingir os seguintes objetivos principais: 1) investigar que tipos de discursos têm emergido através desse “fenômeno” e de que modos visam desconstruir ou problematizar valores socialmente relacionados à maternidade e 2) entender o lugar de fala através dos quais tais relatos são produzidos, a partir de uma perspectiva pessoal de alguns “nós” na rede. Concluímos que a postagem de Júlia pode ser entendida enquanto uma ruptura de performances idealizadas da maternidade, atrelada a valores como cuidado dos filhos, de si e da relação conjugal, ganhando visibilidade na cultura digital a partir de uma ideia de “sinceridade” ou “autenticidade”.

Ana Luiza de Figueiredo Souza também é mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF. Ao lado de Santos e sob supervisão de Polivanov, ministrou a disciplina de Dinâmicas Identitárias no Ciberespaço em Estudos de Mídia neste período. Ambas participam do grupo de pesquisa MiDICom – Mídias Digitais, Identidade e Comunicação, liderado pela última. O artigo também segue parte da pesquisa realizada por Souza em seu mestrado, na qual trabalha com as temáticas de maternidade, auto-apresentação, narrativas pessoais e dispositivos de visibilidade/controle. Destaco especificamente duas questões legais no texto: a discussão sobre “ruptura de performance”, bastante discutida pelo grupo de pesquisa em seus trabalhos mais recentes; e a ótima referência sobre cinco dimensões de persona online, que conheci nesse artigo e resultou nesse post. Clique aqui para baixar.


REFLEXÕES EPISTEMOLÓGICAS

Disputas sobre performance nos estudos de Comunicação: desafios teóricos, derivas metodológicas (2018)

Adriana Amaral, Thiago Soares, Beatriz Polivanov

O presente artigo discute o termo “performance” nos estudos de Comunicação e mídia a partir de um resgate crítico-teórico do mesmo. Partimos de uma reconstituição conceitual do termo em suas vertentes das Ciências Humanas e Sociais francesa e anglo-saxã para apresentarmos seus desdobramentos no campo comunicacional brasileiro, sobretudo no que tange a temáticas como a música e o entretenimento, os fãs e os sites de redes sociais. Argumentamos que os estudos de performance são relevantes para entender as ações humanas, bem como suas mediações com os corpos, aparatos, ambientes, materialidades e audiências tão corriqueiras no cotidiano da vida contemporânea. Contudo, indicamos a necessidade de rediscussão do conceito para a análise de distintos objetos e ambientes mediados pelas tecnologias de comunicação e apontamos a possibilidade de entender a performance enquanto método de pesquisa.

Esse artigo muito provavelmente se tornará leitura básica/obrigatória em cursos de graduação na área de comunicação mais voltada para a academia. Isso porque, além do time de peso (Amaral, Soares e Polivanov – três referências na área), as autoras fazem um “remonte” teórico das premissas teóricas e epistemológicas que têm sustentado os estudos sobre performance no Brasil em Comunicação. Para isso, acionam a matriz etimológica da palavra francesa, rediscutem ideias de autores já consolidados como Goffman e Giddens, e situam minimamente o cenário de pesquisa sobre performance de gosto (na música e) em sites de redes sociais. Além disso, referenciam também autores não tão conhecidos assim, como Diana Taylor e Richard Schechner, ambos integrantes do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Performance na New York University (NYU) nos Estados Unidos. Clique aqui para baixar.


A reality check(list) for digital methods

Tommaso Venturini, Liliana Bounegru, Jonathan Gray, Richard Rogers

Digital Methods can be defined as the repurposing of the inscriptions generated by digital media for the study of collective phenomena. The strength of these methods comes from their capacity to take advantage of the data and computational capacities of online platforms; their weakness comes from the difficulty to separate the phenomena that they investigate from the features of the media in which they manifest (‘the medium is the message’, according to McLuhan’s 1964 dictum). In this article, we discuss various methodological difficulties deriving from the lack of separation between medium and message and propose eight practical precautions to deal with it.

Fechando com chave de ouro, esse é outro artigo que possivelmente será bibliografia básica nas escolas de comunicação – talvez não para graduação, mas para pós (até pelo idioma). Os autores remontam as premissas da famosa obra Digital Methods de Richard Rogers e fornecem um “guia” teórico-metodológico para a prática de pesquisa digital a partir de oito questões divididas em quatro categorias relevantes. Papel das mídias digitais em relação ao objeto de estudo: quanto do seu objeto de estudo ocorre no plataforma que você está estudando? você está estudando rastros midiáticos por si só ou como proxies (representações)? Definição do objeto de estudo: a sua operacionalização está sintonizada com os formato do plataforma? com as práticas dos usuários da plataforma? Da análise de uma única plataforma à análise de plataformas convergentes: o fenômeno que você está estudando acontece em diferentes plataformas? você possui operacionalizações diferentes porém comparáveis para cada plataforma? Demarcação de corpus e acesso aos dados: o que seu corpus representa? você está levando em consideração as maneiras pelas quais os dados são “entregues” pela plataforma? Clique aqui para baixar.

Fronteiras cambiantes da exposição pública e privada: Instagram Stories x Snapchat

Quem me segue no Twitter sabe que eu sou um grande entusiasta do Snapchat. Não tanto pela plataforma em si (também), mas provavelmente (bem) mais pelo meu rancor e ódio constante a tudo que Mark Zuckerberg toca. O modo como ele copiou na cara dura a funcionalidade mais importante do app amarelinho me assusta, mas não tanto quanto me assusta o fato de as pessoas terem lidado com isso “numa boa” – já não sei mais do que esse cara não é capaz, e aparentemente estamos ok com isso. Um mês atrás o Business Insider divulgou um gráfico da ascensão estrondosa de usuários diários ativos do Instagram Stories em comparação com o Snapchat (que deve começar a cair muito em breve, se já não começou). Atenção: cenas fortes abaixo.

COTD_4.24 instagram vs snapchat

Frente a esse cenário de profunda tristeza (é uma piada, mas também é sério), tentei tirar algum proveito de tudo isso. Tendo lido há algumas semanas o texto “Fronteiras cambiantes da vida pública e privada” de John B. Thompson para uma matéria da faculdade, comecei a pensar sobre a questão da privacidade no que tange ambas as plataformas. Porque embora possuam funcionalidades bem semelhantes (afinal Mark copiou tudo igualzinho, ratifico), as apropriações de cada uma delas partem de pressupostos relativamente diferentes. Antes de entrar nessa discussão, entretanto, trago algumas informações introdutórias sobre o texto em questão – e é importante enfatizar também que talvez esse não seja o melhor texto para essa análise (afinal ele foi feito para a disciplina de Política), mas estou partindo de uma necessidade de melhor compreensão do artigo utilizando algumas de suas ideias para tentar pensar alguns exemplos mais contemporâneos e pertinentes às mídias sociais.

O objetivo do autor é compreender como os domínios público e privado “se reorganizaram com o nascimento das novas formas mediadas de comunicação na Europa do início do período moderno”. Usa como base fundamental da sua argumentação um escândalo político de Parlamentares britânicos que tiveram suas más condutas escancaradas pela mídia de maneira que veio a chacoalhar o cenário político britânico como nunca anteriormente. O artigo é bastante denso, daqueles que parecem mais um capítulo de um livro – traz várias informações, conceitos e referências sobre o assunto. Está dividido em quatro grandes partes que conduzem sua linha de raciocínio: O público e o privado; O surgimento da visibilidade mediada; A transformação da privacidade; Fronteiras cambiantes entre o público e o privado – desses quatro, os dois últimos dialogam mais diretamente com algumas reflexões que trarei a seguir, mas os dois primeiros também são importantes.

Na primeira parte, Thompson faz uma breve – porém razoavelmente densa – contextualização histórica do pensamento acerca do público e do privado. Para isso, recorre a dois autores essenciais à discussão: Hannah Arendt e Jürgen Habermas. Seu objetivo nesse momento é mostrar que as fronteiras entre o público e o privado não são exclusividades da modernidade, já estavam presente nas sociedades desde a Grécia Antiga (porque todo texto de Ciência Política precisa voltar lá). Ele explica que, a partir do surgimento das cidades-estado, surge uma vida política separada da vida do lar, onde, nesse contexto, “o domínio privado era o do domicílio e da família” e “o domínio público era um espaço de aparição em que as coisas ditas e feitas poderiam ser vistas e ouvidas pelos demais”. A partir de Arendt, ele explica que o lar era a fonte da necessidade onde se provia a sobrevivência, enquanto o domínio público estava mais ligado a uma ideia de sociabilidade discursiva.

Ainda nessa primeira parte o autor se apoia em Arendt para apresentar como essa dinâmica muda muito tempo depois com o surgimento das sociedades modernas a partir dos séculos XVII e XVIII – explicando “o surgimento do social” e a emergência da “sociedade civil”. No entanto, ele faz importantes críticas ao trabalho de Arendt devido à sua omissão frente ao debate sobre as mídias comunicacionais (circulação massificada da informação) que começam a se proliferar também nesse momento. A partir daí traz Habermas para falar sobre a (refeudalização) da esfera pública e o contexto da sociedade do espetáculo de Debord. Explica aqui o conceito habermasiano de “princípio da publicidade”, a ideia de que “a opinião pessoal de indivíduos privados poderia caminhar para uma opinião pública a partir do debate racional e crítico entre um grupo de cidadãos”. Enfim, mostra como os sentidos de público e privados são realocados na modernidade, mesmo que algumas referências permaneçam.

A segunda parte do texto é guiada pela pergunta: o que é ser visível? “Visível é aquilo que pode ser visto, que é perceptível pelo sentido da visão”, seria a resposta mais simples. Ele parte da noção mais comum de visibilidade (da pré-modernidade), localizada, ou seja, “aqueles que são visíveis para nós são aqueles que compartilham conosco a mesma referência espaço-temporal” – o que exige um pressuposto de referencial recíproco também. No entanto, Thompson chama a atenção para como o desenvolvimento da mídia comunicacional (desde a mídia impressa até a eletrônica) oferece a essa noção mais comum de visibilidade um descanso ao referencial espaço-temporal de localização da copresença – surgindo aí o que chama de visibilidade mediada (“novas formas de visibilidade cujas propriedades específi cas são moldadas por meios específi cos de comunicação”), uma visão contemporânea mais ampliada.

As mídias eletrônicas possibilitaram a transmissão de informações e conteúdos simbólicos por largas distâncias com pouco ou mesmo nenhum atraso. Consequentemente criam um tipo de simultaneidade desespacializada: quem está distante pode se fazer visível praticamente no mesmo instante de tempo, pode ser ouvido no mesmo momento em que fala e pode ser visto no momento em que executa a ação, embora não compartilhe o mesmo referencial de espaço com os indivíduos para os quais está visível. Ainda, as mídias eletrônicas contam com uma riqueza de produções simbólicas possibilitando a reprodução de algumas das características da interação direta nessas novas mídias.

Como mencionei anteriormente, esses dois primeiros momentos não são essenciais ao assunto do post, mas acho importante descrever essas construções históricas para reforçar sempre que nada que compreendemos hoje enquanto sociedade e indivíduos sociais foi decisão divina – é tudo construção social (e se foi construído pode ser desconstruído). Na terceira parte do texto, por exemplo, ele mostra como a noção de privacidade se transformou com o tempo – mantendo ideais semelhantes, mas sob pressupostos diferentes. Na Grécia Antiga o “domínio privado era relevante apenas por dar as condições necessárias para que os indivíduos sobrevivessem e assim participassem do domínio público”, ou seja, era dado um valor muito maior ao domínio público, símbolo de liberdade “em que os seres humanos poderiam satisfazer todo seu potencial como seres humanos”. A privacidade estava ligada à privação da liberdade.

O sentimento em relação à privacidade já é outro na modernidade, onde “a esfera privada proporciona aos indivíduos um espaço para se recolher do brilho da vida pública e de ser constantemente visto e ouvido pelos outros”. Ou seja, o privado é visto com bons olhos, como espaço de autenticidade e autonomia. Thompson explica que essa noção parte do contexto social e político no qual emergem as questões da privacidade nos últimos séculos, pautado principalmente pela tradição da teoria política liberal democrática que se preocupa em definir os limites do Estado. Em segundo lugar, ele aponta que “hoje estamos inclinados a pensar a privacidade como um tipo de direito, algo que, como indivíduos, reclamamos que legitimamente nos pertence”. Na melhor definição: “Para Warren e Brandeis, a privacidade é o direito de ser deixado em paz”.

A maior parte das demais tentativas de conceituar a privacidade em termos de intimidade, de sigilo e do âmbito pessoal têm outras deficiências igualmente complicadas . Como poderíamos então conceituar privacidade? No meu ponto de vista, a maneira mais produtiva de se conceituar privacidade é em termos de controle. Em seu sentido mais fundamental, privacidade tem relação com a habilidade dos indivíduos em exercer controle sobre alguma coisa. Normalmente esta coisa é interpretada como informação: ou seja, privacidade é a habilidade de controlar as informações sobre si mesmo, e também de controlar a maneira e até a medida que essas informações são comunicadas aos outros.

O autor traz para discussão três dimensões de privacidade segundo Beate Rössler: a privacidade informacional, referente ao controle das informações (“sobre nós mesmos e o direito de protegê-las do acesso indesejável de outras pessoas”); a privacidade decisional, referente à escolha de quem ou o que possui acesso (“controle de nossas decisões e ações e o direito de protegê-las da interferência indesejada por parte de outras pessoas”); e privacidade espacial, referente ao: direito de proteger nossos espaços contra pessoas indesejadas (“controle de nossos próprios espaços e o direito de protegê-los contra a invasão indesejada de outras pessoas”). É importante pensar nessas dimensões para que possamos localizar também as violações passíveis a cada uma delas, pois essas infrações também variam de acordo com o contexto.

E é a partir do conceito de self de Erving Goffman que Thompson propõe uma “definição rudimentar” à noção de privado, onde “os direitos relacionados […] são aqueles em que o indivíduo tem que exercer controle e restringir o acesso dos outros”. Aqui, finalmente, já é possível abrir a ponte que pretendo fazer com as reflexões sobre o Instagram e o Snapchat. Isso porque Goffman é o principal autor no qual os textos sobre auto-apresentações em mídias sociais se baseiam atualmente. Para ele, “a informação a respeito do indivíduo serve para definir a situação, tornando os outros capazes de conhecer antecipadamente o que ele esperará deles e o que dele podem esperar” (GOFFMAN, 1972). É ele que consolida a ideia de performance, em que nós, enquanto atores sociais (e há uma ênfase mesmo ao teatro), agimos de maneira adequada à cena social onde nos apresentamos.

Dialogando diretamente com a proposta de Goffman, Thompson traz no texto o argumento de Helen Nissenbaum sobre “integridade contextual”: a privacidade também deve partir de um ponto de análise que leve em consideração seu referencial contextual – ou seja, “em cada uma delas há normas específi cas para regular o que é apropriado e aceitável na maneira como a informação é revelada e compartilhada”. A autora propõe dois tipos de normas: de adequação e de fluxo de distribuição/de informação. A primeira diz respeito a questões sobre o que compartilhar, onde e para quem, enquanto a segunda está relacionada à proliferação da informação, ou seja, para quem posso divulgar informações de terceiros. No texto, Thompson dá um exemplo de uma consulta no médico; aqui, podemos associar a primeira a uma nude enviada no Snapchat, por exemplo, e a segunda à divulgação dessa nude.

O autor segue a argumentar que a esfera privada não pode ser mais pensada (se é que um dia já pôde) como um espaço localizado, já que as novas tecnologias de comunicação expandem a noção de privacidade a outros níveis de sociabilidade – e reforça o aspecto do exercício de controle dos indivíduos. São, portanto, dois pontos de atenção que podemos associar ao debate Instagram Stories x Snapchat: em primeiro lugar, a noção mais facilmente identificada de gerenciamento de self em cada uma das plataformas; e, em segundo lugar, como a noção de privacidade (ou a sua falta) condiciona o modus operandi dos usuários em cada uma das plataformas. Para me ajudar a pensar sobre isso, pedi a ajuda dos meus seguidores do Twitter com a seguinte pergunta: vocês se sentem confortáveis para postar no Instagram Stories o mesmo que postavam no Snapchat?

As respostas se apoiaram em três pilares que são extremamente complementares, mas destrincho aqui cada uma delas para poder dissertar um pouco sobre suas peculiaridades: em primeiro lugar – e talvez mais importante, a nível informacional – o fato da funcionalidade Stories ter chegado depois, ter sido incorporado à plataforma do Instagram. Como eu mencionei lá no início do texto, mesmo que as plataformas sejam semelhantes (em termos de funcionalidade), os usuários se apropriam delas de maneiras diferentes. Se você for parar para pensar, tanto Twitter quanto Facebook também permitem a publicação de imagens, mas o Instagram – enquanto mídia social que surgiu com o único intuito de compartilhar retratos instantâneos – mesmo adotando novas funcionalidades, mantém uma “coerência sócio-cultural” por parte dos seus usuários.

E isso nos leva diretamente ao segundo ponto, que é a auto-apresentação das pessoas em cada uma das plataformas. Um ótimo exemplo disso é essa montagem feita com diferentes “Rihannas” em diferentes mídias sociais, conforme explicado brilhantemente – também a partir de Goffman – por Tarcízio Silva neste post. A identidade que construímos de nós mesmos na internet segue também fragmentada, adequando nossa performance (ou gerenciamento do self/auto-apresentação) a cada um dos contextos de sociabilidade convencionado para cada uma das plataformas. Em resposta à minha pergunta, uma amiga comentou sobre como no Instagram há uma imposição ainda mais forte sobre certa “ditadura da beleza”, ou seja, uma necessidade de se apresentar sempre bem – talvez uma herança dos primórdios do app, disponível apenas para usuários de iPhone.

Em comparação, no Snapchat, outro amigo comentou – vários, na verdade – que o app era bem mais despretensioso. Chegamos, portanto, no terceiro e mais importante ponto para esse post: como plataforma mais fechada, o fantasminha dava ao usuário maior controle sob sua privacidade. Há, inclusive, controvérsias sobre seu entendimento enquanto mídia social (no conceito acadêmico mais atualizado), justamente por ter uma usabilidade tão restrita entre os usuários. Embora tenha começado como chat para compartilhamento de imagens (snaps) com outros amigos, a plataforma só deslanchou de verdade com a consolidação do My Story – que permitia criar uma narrativa audiovisual a partir de vídeos (ou imagens) com até 10 segundos de duração. Ainda assim a sociabilidade do ambiente era bastante restrita, pois não havia acesso externo à plataforma – e o controle estava literalmente nas mãos dos próprios usuários.

Ao sucumbirmos ao Instagram, portanto, perdemos a nossa privacidade não apenas no senso comum da palavra, mas no sentido de território do self que Goffman propõe. Deixamos de lado – até certo ponto, obviamente – uma persona que constitui a nossa identidade para nos adequarmos às novas normas sociais convencionadas à usabilidade do Instagram. Odeio soar tão romântico, mas é uma observação que precisa ser pontuada. A transgressão da nossa privacidade, nesse sentido, também vem em forma de violação ao nosso controle, aquele que estabelecemos na nossa relação com o Snapchat durante os anos que permanecemos enquanto usuários do aplicativo.

É evidente que isso não significa que não estamos reféns da reprodutibilidade comum às novas tecnologias da comunicação – em tese, você pode publicar no Instagram o que publicava no Snapchat. O que quero chamar a atenção, entretanto, é que somos socialmente condicionados ao modo que atuamos nos diversos contextos sociais. Quando falamos de internet (ou mídias sociais), a privacidade – que não precisa ser necessariamente estruturada, mas pode ser também apropriada (pense em fakes do Twitter, por exemplo) – tem um papel importantíssimo na nossa construção de si. Quando perdemos o controle, nosso direito de ser é violado e se tivéssemos que apontar um culpado (além de nós mesmos): Mark Zuckerberg.

A habilidade dos indivíduos em exercer controle sobre seus territórios do self e de restringir o acesso a eles é constantemente posta em cheque, e em alguns contextos, comprometida pelo fato de que os outros podem se valer dos novos meios – tecnológicos, políticos e legais – para ter acesso, conseguir informações, explorá-las em benefício próprio e, em algumas ocasiões, torná-las públicas. As fronteiras mutantes entre a vida pública e a vida privada tornam-se um novo campo de batalha nas sociedades modernas, um terreno disputado em que os indivíduos e organizações travam um novo tipo de guerra da informação: usando de todos os meios disponíveis para obter informações sobre os outros e para controlar as informações sobre si mesmos, muitas vezes esforçando-se para lidar com mudanças que não puderam prever e com agentes cujas intenções não puderam entender. Trata-se de um terreno em que as relações de poder estabelecidas podem ser abaladas, vidas podem ser prejudicadas e até, em alguns casos, reputações podem ser perdidas.

Be Right Back: a narrativa do “eu” e a coerência expressiva no episódio de Black Mirror

Este é um post que estava engavetado há meses. Prova disso é que tenho, no meu quarto, um quadro branco onde mantenho minhas tarefas, aspirações e inspirações; hoje, quando tentei apagar “post Black Mirror e coerência expressiva”, uma mancha deixou uma marca como se me dissesse para não adiar tanto assim as minhas ideias que precisam ser desenvolvidas na prática. Portanto, antes tarde do que nunca, compartilho aqui no blog várias das inquietações que me fisgaram quando assisti à série Black Mirror – mais especificamente, ao episódio “Be Right Back”, da segunda temporada – e por que ele me remeteu tanto à ideia de coerência expressiva, desenvolvidos por Polivanov e Sá (2012). Antes de entrar nos detalhes da história e como relacionei com esse conceito, precisamos falar de Black Mirror.

Nas palavras da Wikipédia: “Black Mirror é uma série de televisão britânica antológica criada por Charlie Brooker, que apresenta ficção especulativa com temas sombrios e às vezes satíricos que examinam a sociedade moderna, especialmente no que diz respeito às consequências imprevistas das novas tecnologias”. Nas minhas palavras, é uma série enxuta – são apenas duas temporadas com três episódios cada, e um especial de Natal – que traz uma história diferente (com elenco, cenografia, tudo diferente) em cada episódio. Os temas perpassam discussões acerca de política, moral, sociedade do espetáculo, memória, morte, tecnologia e a nossa relação com as mídias em geral. Mesmo que não a conheça, talvez tenha ouvido falar que a terceira temporada estreia no dia 21 de outubro deste ano na Netflix – provavelmente um dos principais motivos que me coagiu a tirar esse post da gaveta. Não serei aquela pessoa que insistirá que você assista à série, mas recomendo muito, principalmente para profissionais, pesquisadores e pensadores das áreas de comunicação, tecnologia, política e mídias.

Imagem: Netflix
Imagem: Netflix

Como já mencionei, embora todos os episódios tenham mexido muito com a minha cabeça (esse é o objetivo), o episódio que quero abordar aqui é o primeiro da segunda temporada, intitulado “Be Right Back” (Volto Já, em tradução livre). A história é a seguinte (com ajuda do imdb): Martha e Ash são um casal de apaixonados que decidem morar juntos numa casa do interior. Um dia depois da mudança, ao devolver a van alugada para tal, Ash se envolve num acidente de carro fatal. No funeral, uma amiga de Martha recomenda um serviço novo que ajuda pessoas em luto a lidar melhor com a situação, criando um Ash “virtual” que se comunica com ela através de informações (dados) obtidos de mídias sociais e da internet como um todo. Ela não aceita bem a indicação da amiga, mas esta acaba a inscrevendo no serviço mesmo assim – o que só descobre quando recebe um e-mail do “novo” Ash. A partir daí, ela começa a ter vários embates pessoais e morais sobre (não manter) essa relação com esse personagem, e a trama se desenvolve justamente nesses conflitos internos. Podemos seguir daqui.

Dada essa introdução, pretendo apresentar quase que cronologicamente – porém de forma bem aleatória, arbitrária – – algumas questões que o episódio levanta. A primeira “problemática” sobre a qual precisamos nos debruçar é a questão da hiper-visibilidade e superexposição. Aqui, entretanto, não enxergo essa questão de modo conservador como vários estudos sobre privacidade, vigilância e narcisismo tem tratado este assunto – embora tenha esta linha de pensamento como importante para reflexão, acredito humildemente que parte de um juízo de valor um pouco ultrapassado que precisa, para avanço do debate, ser superado; recomendo, neste sentido, o subitem“Os discursos sobre a superexposição do eu e a era da vigilância”, do primeiro capítulo do livro Dinâmicas identitárias em sites de redes sociais, da Prof. Dra. Beatriz Polivanov, no qual ela revisa essas discussões e propõe uma brecha na para seguirmos em frente. Ainda assim, mesmo que o debate fosse trazido para discussão, eu argumentaria que, pros fins da história, essa superexposição acabou sendo bom para o personagem.

Explico: o “novo” Ash, sintético, passa por um processo de machine learning. Para que ele se torne o Ash que Martha, sua esposa, consiga identificá-lo como seu antigo marido, o serviço no qual sua amiga a inscreve consome todo tipo de conteúdo que o “verdadeiro” Ash já publicou online – não apenas em mídias sociais, mas também em e-mail, mensagens instantâneas, etc. Cada rastro social digital que ele tenha deixado enquanto vivo se transforma em fonte de alimento para que o robô (se é que posso utilizar esse termo tecnicamente estigmatizado) simule – e aqui reitero a noção de reproduzir – quem ele era antes. Isso expõe a importância de que ele tenha, ainda vivo, criado uma identidade (performance, ou narrativa, como prefiro) de quem ele era no ciberespaço. E, por mais importante que essa construção do eu enquanto conflito interno seja importante psicologicamente falando, argumento que ainda mais importante é o fato de, para além de se construir, narrar a sua construção. A identidade que ele criou para si quando era vivo, para que se tornasse “completa”, necessitava da interação com o outro – ou seja, precisava ser narrada.

Acho importante tocar nessa questão porque é algo que me parece essencial à discussão da construção de si, como vão argumentar diversos autores como Hall, Pollak e Bourdieu – a identidade é construída no discurso, na linguagem. Na minha humilde opinião, os trabalhos apresentados sobre a construção do eu no ciberespaço parecem ter superado muito fácil essa ideia e se ancoram demais (justificadamente) nos conceitos apresentados por Goffman. A meu ver, o sistema de interpretação e comunicação é um só, o que muda nesse (novo) contexto é apenas as plataformas e dispositivos de narração. No entanto, vou segurar esse argumento aqui para que o post não se torne muito grande e complexo (e porque é debate pra cacife grande), quando a proposta que pretendo trazer para discussão aqui é outra: a ideia de coerência expressiva. Isso quer dizer que, para além de atuar nesses instrumentos e dispositivos de narração para compor a sua identidade, o sujeito depende do outro para se constituir. Eu crio minha narrativa através das construções sociais e culturais que me atravessam mas projeto sempre minha história no outro.

É este processo que chamamos de coerência expressiva dos atores nas redes sociais. E com esta expressão, interessa-nos demarcar este processo, intensamente complexo, precário, inacabado, de ajuste da “imagem” própria aos significados que se quer expressar para o outro, e que é muito fortemente ancorado na utilização de bens culturais-midiáticos, tais como letras de músicas, filmes, clipes, etc., utilizados a partir da avaliação pelos atores de sua adequação ao que querem expressar, traduzir, apresentar e comunicar nos sites. Processo que se dá em tensão, sujeito a ruídos, uma vez que sempre atravessado pela relação com os outros atores da rede sócio-técnica na qual o usuário se insere. O que nos permite sugerir, talvez, uma ilusão da coerência expressiva, à maneira como Bourdieu fala da ilusão biográfica, a fim de desconstruir qualquer suposição de estabilidade, controle ou de concretude do sujeito como resultado do processo. (Sá e Polivanov, 2012)

Da primeira vez que assisti ao episódio, este foi o aspecto que mais me chamou a atenção. Um dos maiores embates e conflitos internos pelo qual a personagem principal, Martha, passa, é nessa questão de ter, naquele robô, uma narrativa reflexivamente construída que emula quem seu marido um dia foi. Desde o primeiro contato entre os dois, quando ela recebe o e-mail desse ser virtual e se dispõe a respondê-lo, o elo que eles criam se dá pelo fato que a máquina tenha processado as informações e aprendido a simular o que Ash falaria. E isso, esse conforto que ela constrói conforme eles vão se comunicando, é possibilitado apenas pelo modo como ele se apresentava online. Para além disso, reforço o fato de que essa narrativa que ele construiu enquanto vivo no ciberespaço era construída num sentido de auto-reflexividade que também supera, em certos pontos, o argumento da exposição descontrolada ou desenfreada no ambiente das mídias (e sites de redes) sociais. Quando ela se depara com a versão material do “computador”, o elogio que ela faz à sua aparência e a resposta que ele dá (“as fotos costumam ser boas”) ratifica o processo meticuloso pelo qual a narrativa mediada por computadores tem nos submetido durante os anos.

Imagem: Netflix
Imagem: Netflix

Ainda nesse contexto, mas reforçando mais a ideia de que só nos construímos no outro, há uma cena (duas, na verdade) que parecem ter sido escritas propositalmente para que fosse levantada essa questão na discussão: ainda vivo, Ash decide publicar em algum site de rede social uma foto dele ainda criança. Ele justifica essa ação explicando à esposa que acredita que as pessoas irão achar aquela foto engraçada. No entanto, na mesma cena, ele revela que aquela foto não tinha nada de engraçada – remontava, em sua memória, pelo contrário, um fato bem triste. Ou seja, ele resignificou aquela imagem para conscientemente criar uma nova narrativa simbólica do que aquele evento o remetia. No final do episódio, esse arco narrativo é retomado (talvez em tom de crítica) quando o robô Ash vê aquela foto na sala e comenta: “Ha, engraçado” – provavelmente porque o desenrolar da ação primária do Ash “verdadeiro”, quando publicou a foto no SRS, tenha se dado nesse contexto cômico da situação, através de comentários de amigos e do próprio em resposta àquele estímulo comunicacional. Isso, no entanto, coloca-nos outro fato muito importante – que, novamente, rebate a superexposição desenfreada: a narrativa que construímos de nós mesmos no ciberespaço é insuficiente.

Esse embate que limita a simulação de Ash entra em pauta principalmente no final do episódio, quando pequenas situações de desconforto são criadas entre Martha e o “novo” Ash. Num primeiro momento, a história toca nesse aspecto quando, numa cena de sexo, o personagem explica que não há “registros” desse contexto processadas pela sua tecnologia de deep learning – o que é rapidamente superado pela proposta de aprendizado em outras fontes, no caso, sites de vídeos pornô. Esse embate pode ser reforçado pelo argumento de Silva (2015, online) que explica que “produtos que atendem necessidades fisiológicas são alvo de conversações nas mídias sociais quando atendem também necessidades simbólicas”, contextualizando – e abrangendo – essa argumentação a um universo maior de conversação, que não envolve apenas produtos, mas a sociabilidade digital como um todo. No final da história, essas incongruências começam a se tornar ainda mais conflitantes para a personagem principal, num contexto no qual acho coerente apresentar um conceito de Giddens abordado no artigo em questão:

Em seu argumento, o autor lista seis características principais das relações puras, quais sejam:

1) “em contraste com laços pessoais próximos em contextos tradicionais, a relação pura não está ancorada em condições exteriores da vida social e econômica – é como se flutuasse livremente” (2002, p. 87);

2) “a pura relação é buscada apenas pelo que a relação pode trazer para os parceiros envolvidos (…) é precisamente neste sentido que a relação é ‘pura’” (p. 88);

3) “a relação pura é reflexivamente organizada, de modo aberto e em base continua”. (p.89);

4) “o ‘compromisso’ tem um papel central nas relações puras” (p. 89);

5) “a relação pura enfoca a intimidade, que é uma condição principal de qualquer estabilidade de longo prazo que os parceiros logrem atingir” (p. 91) e;

6) “a relação pura depende da confiança mútua entre os parceiros, que por sua vez se liga de perto à realização da intimidade. (…) a confiança não é e não pode ser tida como “dada”: como outros aspectos da relação, deve ser trabalhada – a confiança do outro precisa ser ganha” (p. 92).

Sob essa perspectiva de Giddens, é essa questão da relação pura que escancara as rachaduras do novo “relacionamento” do casal. Estendendo-se nessa ideia, Sá e Polivanov (2012) explicam o conceito de self-disclosure de Baym no qual “a necessidade de ‘abertura’ para com a figura do outro de forma a mostrar-se como sujeito ‘crível’, ‘verídico’ e passível de se tornar confiável” é traço fundamental para a relação pura. No entanto, esse argumento poderia ser rebatido com o fato de que, nos sites de redes sociais, temas como sexo não são realmente expostos, mas em outros canais como e-mail, mensagens instantâneas, etc., poderiam ser. É aí que entra uma questão mais subjetiva, na qual a quebra de expectativa que prejudica o relacionamento e auxilia na quebra de sentido que a narrativa de machine learning construíra para Ash acontece porque o “eu” construído não é total, ou seja, não corresponde à compreensão de Martha do que seu marido, enquanto sujeito plural, apresentava ser. Uma das últimas cenas, bastante emblemática, quando, depois de passar por todos esses conflitos, ela desabafa e pede que ele se destrua – jogando-se de um penhasco – exemplifica sua “limitação” identitária.

Imagem: Netflix
Imagem: Netflix

No entanto, retomando minha argumentação no sexto parágrafo sobre narrativas e plataformas, confesso que sou um pouco cético sobre essa limitação ser um aspecto exclusivo de plataformas e dispositivos de comunicação mediada por computador. Como também mencionei anteriormente, a construção da identidade é feita no discurso, na narrativa, é uma construção linguística. Entretanto, a meu ver, a própria língua enquanto instrumento comunicacional é limitante ao tentar fixar (e representar) a identidade. Ou seja, a identidade, nesta minha linha de raciocínio, é múltipla, flexível, contínua, inconstante, etc. demais para que alguma ferramenta comunicacional seja capaz de narrá-la em sua plenitude. Por isso tenho a interpretação de “presentation” em Goffman (graças a minha querida prof. Ana Lúcia Enne), como aquilo que se presentifica, que pode vir a ser (um devir) como mais apropriada para pensar a construção identitária narrada pelos sujeitos.

Para finalizar, gostaria de pedir paciência (e compreensão) caso qualquer uma das minhas ideias apresentadas aqui tenham parecido pretensiosas ou prepotentes. Estou atualizando meu repertório sobre identidade no ciberespaço através de um projeto que tenho desenvolvido no estágio, que tem me proporcionado conhecer vários autores estrangeiros que já trouxeram à discussão esse caráter da sociedade atual. A minha ideia aqui era expor pensamentos, indagações, reflexões e inquietudes sobre o que pude absorver do episódio da série referida, para então trazer para debate e estar sujeito a quaisquer críticas que possam ser pautadas sobre minha argumentação. Espero que tenha sido prazeroso ao leitor e prometo (talvez) retomar as ideias deste post em outros momentos, talvez pelo terceiro episódio da nova temporada da série, que também vai abordar satiricamente a identidade na era das mídias sociais.

Referências bibliográficas

PEREIRA DE SÁ, Simone; POLIVANOV, Beatriz. Auto- reflexividade, coerência expressiva e performance como categorias para análise dos sites de redes sociais. Contemporânea, v. 10, n. 3, set-dez 2012, pp. 574-596.

SILVA, Tarcízio. Necessidades humanas, camadas simbólicas e o monitoramento de mídias sociais. Tarcízio Silva, online, 2015. Disponível em: http://tarciziosilva.com.br/blog/necessidades-humanas-camadas-simbolicas-e-o-monitoramento-de-midias-sociais/.

Política e identidade em rede: reflexões sobre práticas sociais contemporâneas

Começo este post avisando que daqui deve sair um misto de diário pessoal (devaneios), artigo acadêmico e publicação para a web. Se tudo encaminhar conforme minimamente organizado na minha mente, esse é o formato já instaurado e que continuar a seguir.

Diante do caos social e político que se estabeleceu no Brasil nesta semana, um dia após o processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, tomei a humilde decisão de associar uma espécie de “adesivo virtual” à minha foto de perfil do Facebook – com o simples fundamento, na minha cabeça, de que “não dava mais para não se posicionar”. Esse pensamento “fácil” se alinha ao fato de que: 1) demonstrei meu apoio a um candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, sendo que não resido atualmente na cidade; 2) mesmo que tivesse demonstrado o apoio a um candidato que simpatizo na minha cidade atual, seria um apoio simbólico, pois meu título eleitoral ainda pertence à cidade onde cresci, no Nordeste. Ou seja, naquele momento, o motivo por trás da minha ação não tinha nenhum valor “efetivo”, apenas simbólico – deixar claro a todos (amigos e desconhecidos) qual é o meu posicionamento político e quais valores estão associados a ele. E aí passei o dia refletindo sobre o assunto.

Trago aqui, portanto, alguns pensamentos, reflexões e devaneios pelos quais passeei durante os últimos dias. Antes de abrir essa porta, no entanto, acho importante dizer que fui atrás de bibliografia que me ajudasse a entender sobre o tema. Quem me conhece, conhece o blog ou já leu a página sobre mim daqui sabe o quanto eu valorizo a compreensão social (da sociedade) estruturada nas metodologias acadêmicas. Aprendi com uma queridíssima professora e não cansarei de propagar que as leituras da universidade (de “humanas”, pelo menos) nos ajudam a entender melhor o mundo em que vivemos. Busquei, portanto, em fontes confiáveis cujo trabalho já tive contato superficial em outros momentos: Raquel Recuero e Fábio Malini. Esses pesquisadores, no entanto, apesar de trabalharem bastante com a questão de política em rede, não abordam o tema pensando a construção de identidade, mas propondo (geralmente) análises de discurso pautado em dados de SRSs. Embora seja um bom ponto de partida para entender o contexto, não atendem à minha demanda.

Também procurei no Google Acadêmico, no Google normal e no Sci-Hub: não encontrei nada que se encaixasse minimamente na minha linha de raciocínio reflexivo. Confesso que a busca não foi tão apurada assim – tivesse menos ansioso para escrever sobre o assunto, talvez teria encontrado alguns materiais que dialogassem comigo de alguma forma. Portanto, peço humildemente ao caro leitor que: 1) caso conheça algum artigo, dissertação, tese ou qualquer produção acadêmica que corresponda aos pensamentos que vou expor aqui, ofereça tais sugestões na seção de comentários – agradeço desde já; 2) perdoa-me pela irresponsabilidade científica – mas lembra que isso é um blog e o formato desse texto já não corresponde às severas diretrizes da academia. Antes de abordar algumas questões relacionadas à construção de identidade em sites de redes sociais (contextualização importante para estruturar as ideias que compartilharei em seguida), trago aqui um trecho do livro “How the World Change Social Media”, que mapeia minimamente a bibliografia – internacional – sobre política e internet:

The immense literature available on the internet and politics, and more specifically on politics and social media, has changed over time. It began with a focus upon the role of the internet in new social movements in the 1990s, and was followed by the problem of digital divides and e-governance, the role of Web 2.0 platforms and user-generated content. Most recent studies have considered the consequences of the affordances of WiFi and mobile media such as smartphones, particularly regarding their role in organising collective political activity. Chadwick and Howard present an excellent volume on the critical debates about the relationship between the internet, state politics and citizenship, while Postill concisely summarises key research in digital politics and the ways in which ethnographic inquiry contributes to understanding the ecologies of protest movements. In the early 2000s there was a distinct sense of optimism around e-governance and e-government, and the potential they offered for bridging the digital divide. The internet and social networking sites were seen to be transforming ‘the public sphere’, a concept associated with social theorist Jurgen Habermas. More recently attention has been turned to the role of social media in organising political action, particularly in the various regional experiences of the Arab Spring. This was in a sense the turning point in such studies, prompted by Morozov’s work on the use of digital technologies for political repression during these events. Since then there has been a growing body of research critical of assumptions that the main role of digital technologies is to increase meaningful democratic participation. However, there is also considerable interest in the use of new media as the basis for alternative forms of collective action, for example research by the anthropologist Coleman on Anonymous and other online political activists.

A publicação faz parte da série Why We Post, um projeto de pesquisa comandado por Daniel Miller da University College London. Assinam, além do próprio, Elisabetta Costa, Nell Haynes, Tom McDonald, Razvan Nicolescu, Jolynna Sinanan, Juliano Spyer, Shriram Venkatraman e Xinyuan Wang, com uma visão antropológica sobre o uso das mídias sociais no Brasil, Chile, China, Inglaterra, Índia, Itália, Trindade e Turquia. Vale lembrar que, além das 11 publicações que serão publicadas até o final do projeto (três já estão disponíveis para download no site oficial), a terceira turma do curso correspondente ao projeto que começará em 31 de outubro na FutureLearn está com as inscrições abertas! Caso você tenha interesse no assunto (não só na temática política, mas pensar as mídias sociais de maneira antropológica como um todo), recomendo veemente tentar fazer o curso – será a minha também terceira tentativa de participar e eu garanto que dessa vez não passa. Mas voltemos ao que interessa…

Como muito bem detalhadamente explica a citação, os estudos sobre política e internet durante as últimas décadas têm observado a temática majoritariamente sobre o viés “tecnológico”, debatendo a funcionalidade das novas mídias digitais enquanto influência política na sociedade. A minha proposta para o post é pensar – e reitero: pensar, refletir, filosofar, sem nenhum compromisso de “responsabilidade” – o assunto política no que tange à construção do sujeito online. Para não dizer que não encontrei nada sobre a temática conforme minha linha de pensamento, compartilho aqui a conclusão do capítulo específico sobre política do livro supracitado do Miller, após uma análise que identifica três problemáticas relativas às normas de relacionamento nos sites de redes sociais, à imposição de monitoramento estatal sobre questões de política nacional em diferentes países e como essas duas coisas causam diferentes abordagens do tópico nas conversações:

In general we have found that, if one turns to ordinary field sites, politics on social media has a much lower profile than we might otherwise have expected. In some cases this may be because it is suppressed, leading to a highly conservative representation of people’s lives and opinions online. In other cases, however, it is because social media is more associated with entertainment and social bonding than with serious issues such as politics.

O problema é que essa conclusão não me atende. Desde 2013 a temática política não tem saído das pautas de conversa dos sites de redes sociais no Brasil, como corroboram vários – centenas? – de artigos acadêmicos que fizeram questão de abordar o assunto nos últimos anos. Só coloquei esse trecho para reforçar que eu procurei, sim, bibliografia sobre a dinâmica da qual o post trata. Na verdade, a citação me permite puxar um gancho que já tinha passado pela minha cabeça e trago aqui para começar a teorizar (irresponsavelmente) sobre alguns desdobramentos da temática; eu compartilho com o pensamento do campo dos Estudos Culturais que reconhecem a cultura como arena de disputas onde se travam as principais lutas políticas e sociais. Muitos autores também abordam esse tópico falando não (apenas) de cultura, mas também de discurso: Bahktin, Certeau, Bhabha, Hall e o próprio Foucault para falar de relações de saber e relações de poder. O que quero dizer é: quando falamos de política, falamos de cultura; quando falamos de cultura, falamos sobre disputa e relações de poder (política).

E aí precisamos resgatar Hall em “A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo” para entender como o debate entrou em pauta. No texto, ele explica que a cultura, desde o seu sentido mais amplo (produção de hábitos, valores, tradições, etc. que todo grupo social tem), é fundamental. No entanto, é a partir do século XX que a ela se torna uma problemática para o homem ocidental – quando, por volta da década de 50 e 60, torna-se central e substancial, numa espécie de revolução cultural que materializa a cultura, onde não há como escapar da discussão a que a cerca. Nesse contexto, quatro eixos da vida contemporânea podem ser compreendidos como condicionadores de sua substancialização: a expansão dos meios tecnológicos (cultura das mídias); a cultura e a globalização (multiculturalismo); cultura e cotidiano (o materialismo da sociedade de consumo de bens culturais); e cultura e identidade (subjetividades), o sujeito social e o sujeito eu.

Esse quarto eixo é o que mais me interessa no momento e que, de certa forma, abarca o contexto social que vivemos hoje – a ascensão individualista do sujeito e sua construção simbólica (identidade). Não é por acaso que essa “virada cultural” acontece também numa época onde há um levante forte de movimentos sociais (negros, mulheres, LGBTs) que atuam nesse dualismo entre sujeito e coletivo – é preciso se reconhecer individualmente enquanto homossexual, por exemplo, enquanto também faz-se mais que necessário compreender o grupo no qual minhas vivências e experiências de vida são contempladas. Sobre isso, trago mais uma explicação acerca do pensamento de Hall que ajuda a desbravar as ideias:

Hall partilha da idéia de que a identidade não pode ser tomada de forma cristalizada, mas sim como um processo. E propõe duas maneiras de se pensar a “identidade cultural”, que aqui tomo como referência para a identidade social. A primeira posição, diz ele, define identidade cultural nos termos de uma cultura partilhada, criando um tipo de pertencimento verdadeiro e coletivo. Seria, portanto, uma construção de identidades por um partilhamento de interesses e visões. No entanto, existiria uma segunda via, que trabalhará a partir das diferenças, do reconhecimento de um com outro, com quem se estabelecerão relações conflituosas e por vezes complementares. Portanto, para o autor, é impossível pensar a construção das identidades como resultante somente de partilhamentos de pontos comuns, ou do estabelecimento de contrastes e oposições. A produção da identidade, enquanto processo, deve conter os dois eixos ou vetores, como ele mesmo chama. (ENNE e LACERDA, 2011)

Em “A identidade cultural na pós-modernidade”, dialogando com Giddens e Bauman, Hall também vai ratificar o caráter multifacetado e fragmentado das construções identitárias na contemporaneidade. Esse discurso é complementado por Goffman que afirma “que todos performatizamos aspectos das nossas identidades, atuando de modos diversos em diferentes meios sociais e para diferentes públicos”. Ou seja, é tudo encenação – e aqui é mais do que necessário remover qualquer valor de julgamento que englobe a palavra maneira pejorativa; mas se nos construímos na interação com o outro, é no mínimo compreensível que vivemos de performance(s). No ciberespaço, de maneira bem mais controlada (em todos os sentidos), “os atores sociais optam por tornar visíveis e ocultar determinados conteúdos nos sites de redes sociais, em um processo marcado pela escolha em grande medida consciente e refletida sobre os materiais apropriados em seus perfis” (POLIVANOV, 2014).

Trata-se, portanto, de uma construção discursiva performatizada, dirigida para uma audiência (imaginada) (BOYD, 2011), que permite sua autoapresentação e interação com outros nesse lugar, sempre atravessada pelos discursos de outros atores com os quais interage (BERTO E GONÇALVES, 2011). […] Os perfis dos atores no Facebook são personas […] no sentido de serem construções ou versões de si que os atores sociais – com mais ou menos cuidado e nível de autorreflexão – elaboram (e reelaboram constantemente) performaticamente, selecionando comportamentos e materiais de acordo com a impressão que querem causar à sua audiência em determinado momento.

As pesquisas de Miller (2011) e Polivanov (2012), embora tenham uma consideração semelhante de que há, nesses ambientes, uma busca por sociabilidade e expressão de si, não chegam a discutir/abordar conteúdos de teor político como estratégia também na construção da identidade online – talvez pelo “distanciamento” dos objetivos de pesquisa desse tema. A lacuna, portanto, fica aberto para que pensemos juntos como esse conteúdo é ativo pelos atores sociais e por quais motivos são acionados de tal maneira. Sabendo que a visão política é um marcador tradicional de identidade (PEMPEK, YERMOLAYEVA e CALVERT, 2009 apud POLIVANOV, 2012) que, assim, como religião, idade, renda, orientação sexual, etc., eram informações consideradas para as gerações anteriores extremamente pessoais e particulares (LIVINGSTONE, 2012 apud POLIVANOV, 2012), o que significa para os indivíduos – enquanto sujeitos que criam suas identidades pluralmente – entrar nesse novo campo de esfera pública e travar as disputas que alavancam?

Para responder a essa pergunta (talvez o principal motivo de ter feito esse post), vou recorrer a uma teoria minha que explicarei brevemente e num outro momento pretendo escrever sobre aqui no blog. Antes, novamente, peço licença aos mais academicistas para deixar de lado as citações (nem tanto), o aporte teórico e, como já citado anteriormente, a responsabilidade científica dessa(s) teoria(s). Estou falando enquanto personagem desse contexto através da minha compreensão de mundo, sem me preocupar com qualquer discussão coletiva acerca dessas problemáticas – poderia, por exemplo, conduzir entrevistas com algumas pessoas para obter um respaldo metodológico que me permitisse basear com mais critérios os argumentos que apresento. No entanto, ratifico porque sinto que preciso ter (pelo menos) essa responsabilidade: é um devaneio pessoal e particular, a partir de preposições sociais e culturais que me atravessam, é claro, mas não mais que isso.

Logo, voltemos ao momento quando decidi apoiar simbolicamente um candidato à prefeitura do Rio de Janeiro. Como já mencionei anteriormente, a minha decisão para o ato foi completamente pautada no outro: queria mostrar às pessoas quais valores eu compreendo enquanto cidadão para uma política pública responsável. No entanto, como os próprios autores que mencionei aqui no post, esse jogo identitário se dá tanto no campo coletivo quanto no campo pessoal. No primeiro, recorro a recursos imagéticos de significação que precisam ser compreendidos pelos demais para que seja feita a associação desejada entre os valores e a pessoa. No segundo, a minha própria decisão de fazer isso deve corresponder aos meus processos de experiência de vida que me atravessaram durante todos esses anos, correspondendo à minha compreensão de mundo e como ela fez morada em mim para que eu pudesse então compartilhar com os outros o que isso significa para mim.

Mas, afinal, por que recorrer a essas estratégias de construção de identidade (que, como mencionado, antes não eram colocadas em discussão) quando podemos buscar ferramentas midiáticas mais fáceis para assim a fazermos? A resposta é bastante diplomática: uma não exclui nem abdica da outra. E aí retomo novamente Hall para ratificar o perfil multifacetado das identidades na contemporaneidade, além da “virada cultural” que pôs no centro das discussões tudo que engloba cultura enquanto a compreendemos. Por mais que os editoriais de revistas e outros produtos midiáticos insistam em dissociar política e cultura (isso por apreender cultura numa fusão iluminista e romântica, na qual o passado é venerado para a iluminação espiritual do indivíduo), enxergo que as duas forças nem deveriam ser chamados de campos distintos, uma vez que estão completamente entrelaçados.

É de se esperar, então, que, quando surge um “novo” espaço cibernético de sociabilidade, todos os trâmites culturais ocupem esse novo ambiente. As arenas de disputa de significado e significação, portanto, também estão projetadas nesses espaços online – por isso as “brincadeiras” (sic) de denúncia social são tão importantes quanto às mobilizações off-line, porque os sites de redes sociais tornaram-se locais de luta de significado que interferem diretamente na cultura de um grupo enquanto nação. Esse embate reflete também a construção de personas dos indivíduos online, que cada vez mais são estimulados a entrarem nesse campo de debate e tomarem uma posição (arriscada ou não) política de assuntos sociais. É o que fazemos quando compartilhamos textos, imagens, vídeos de veículos com editoriais detalhadamente localizados politicamente, grupos/coletivos de movimentos sociais ou pessoas que compartilham dos nossos valores. A luta também acontece no campo discursivo.

Para fechar, lembro a todos que a minha adesão foi feita (embora o conteúdo que eu compartilho já revelasse meu posicionamento) através da foto de perfil, o que implica em mais algumas discussões sobre o assunto, conforme a própria Polivanov (2014) destaca no seu estudo. No mais, agradeço a todos que chegaram até aqui e peço desculpas por qualquer inconveniência de irresponsabilidade científica no texto – sim, toco nesse ponto novamente porque sei como as pessoas da internet são estimuladas a expor o erro do outro. No mais, espero que a reflexão tenha feito sentido e que agregue ao pensamento de quem chegou até aqui – estou mais que disposto a trocar ideias sobre o assunto seja nos Comentários ou em outro local mais privado.

Referências bibliográficas

COSTA, Elisabetta; HAYNES, Nell; MCDONALD, Tom; MILLER, Daniel; NICOLESCU, Razvan; SINANAN, Jolynna;  SPYER, Juliano; VENKATRAMAN, Shriram; WANG, Xinyuan. How the World Changed Social Media. UCL, 2016.

ENNE, Ana; LACERDA, Andressa. Gírias, hibridizações, negociações, negações: o discurso como objeto e lugar de disputas na arena da cultura. ENECULT – Salvador, BA, 2011.

HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Porto Alegre: Educação & Realidade, 1997.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2005.

MILLER, Daniel. Tales from Facebook. Cambridge / Malden: Polity Press, 2011.

POLIVANOV, Beatriz. Dinâmica identitárias no Facebook: estratégias de publicização e ocultamento de conteúdos. XII Congreso ALAIC, 2014.

POLIVANOV, Beatriz. Dinâmicas de autoapresentação em sites de redes sociais: performance, autorreflexividade e sociabilidade em cenas de música eletrônica. Niterói, RJ, 2012.