O que eu aprendi sobre apresentação e design de relatórios (sem ser designer)

Acho importante começar este post falando que o que vou trazer aqui não é uma regra ou realidade absoluta. É como um guia de conduta que eu, pessoalmente, fui aos poucos organizando para mim mesmo a partir de vários materiais que fui consumindo ao longo dos anos e também a partir de diversos feedbacks/devolutivas que tive a oportunidade de receber durante a minha carreira. Espero que possa ser útil para outras pessoas como foi e tem sido útil para mim nessa trajetória de profissional de análise e inteligência de dados.

Dito isso, o meu intuito aqui é compartilhar algumas dicas e instruções de como eu abordo a produção de relatórios, pensando esses produtos como uma entrega de inteligência que deve guiar tomadores de decisões a um caminho mais assertivo a partir dos dados que foram analisados. Tão importante quanto a metodologia, o critério de análise, o aprofundamento nos dados ou a qualidade das informações transmitidas, a meu ver, é também o modo como transmitimos essa inteligência para outras pessoas que só chegam no final de todo o processo.

Afinal, quando uma empresa, seja uma marca ou agência, contrata um serviço de relatoria – seja ele de listening/monitoramento, performance de mídia, web analytics ou o que quer que seja -, ela não o fez pelo relatório, mas sim pelos insights que dali podem surgir. A “entrega” pode até ser materializada num relatório em formato de PPT, PDF, DOC ou um dashboard (e geralmente é), mas o que estão pagando de verdade é pelas informações que esses materiais podem trazer para guiar uma ação posterior – um criativo, um desenvolvimento de produto, um ajuste de investimento etc.

Ainda nesse contexto, o ritmo de trabalho e fluxo de informações (e dados) aos quais a grande maioria – senão a totalidade – desses profissionais que consomem relatórios estão condicionados também acrescenta a esse cenário uma dificuldade mais ampla à apresentação de resultados. Imagine que essas pessoas demandantes provavelmente não estão consumindo apenas um relatório, mas diversos materiais, dentre relatórios internos, da Kantar, IPSOS, Google, Meta, WGSN, TrendWatching, BOX1824 etc. com dezenas ou centenas de páginas.

Torna-se, portanto, um esforço também dos profissionais que produzem relatórios (de listening, pesquisa, performance de mídia, web analytics etc.), encontrar maneiras de facilitar a absorção de todo o conteúdo que precisa ser compartilhado – ou pelo menos daquilo que é mais importante/decisivo. É por isso que fui desenvolvendo, aos poucos (novamente, a partir de feedbacks e estudo), um modus operandi que preza muito por três pilares que considero o sustento de todo bom relatório: design, dataviz e storytelling.

DESIGN NÃO É “SÓ” SOBRE ESTÉTICA

Quando eu trabalhava no IBPAD, alguém me apresentou o Polling Data, um projeto incrível liderado por um dos estatísticos mais respeitados do mercado de pesquisa de opinião no Brasil. Na época das eleições, “agregava” diversas pesquisas eleitorais para desenvolver uma metodologia própria que ponderasse os diferentes cenários de cada pesquisa dado os vieses que elas mesmas apresentavam. É, sem sombra de dúvidas, umas das iniciativas mais interessantes que eu já vi do ponto de vista metodológico e de crítica analítica.

No entanto, apesar de sempre trabalhar também com um ótimo dataviz, apresenta um design que não dialoga com a internet (e o mundo digital) que vivemos em 2023. E isso não é uma crítica pela crítica, mas uma constatação para argumentar que, nos dias de hoje, estética também passa credibilidade. Em tempos de fake news e golpes via internet, a maioria das pessoas – desse mercado ao qual me refiro, obviamente – já desenvolveu um olhar mais atento inclusive na estética das coisas, seja um site, um app ou um e-mail, para julgar o quão “verídico” aquilo se parece.

Ou seja, um material “feio” pode dar a impressão de um trabalho desleixado, mau feito e amador – portanto, com menos credibilidade. Apenas para fins comparativos, podemos tomar, como exemplo, o projeto The Perception Gap, que também é um projeto político, mas que dedicou um esforço maior ao trabalho de UI Design. Isso quer dizer que o TPG é melhor, analiticamente falando, do que o Polling Data? Não, mas a confiança e a usabilidade – pensando aqui em algo que facilita a absorção das informações – que o primeiro apresenta ao leitor é notavelmente mais amigável.

Além de passar mais credibilidade, portanto, a preocupação com o design também endereça o problema da sobrecarga de informações: artifícios ou indumentárias estéticas podem ajudar o leitor a direcionar seu olhar para aquilo que (num slide) é mais importante. E isso não significa que todos nós que trabalhamos com análise de dados (e já precisamos aprender a mexer em 50 ferramentas e ainda a programar em pelo menos duas linguagens de programação diferente) também precisamos aprender design, mas alguns direcionamentos básicos já podem ajudar.

Essa thread acima, por exemplo, mostra como o simples uso de diferentes fontes pode causar um impacto considerável na sua apresentação (ou no seu relatório). Também dá dicas de algumas customizações textuais que são mais ou menos difíceis de ler, alguns artifícios simples como um espaçamento diferenciado e alteração do tamanho das fontes que podem facilitar a leitura, além de outras orientações interessantes referentes a espaçamento, diagramação, extensão de texto, etc. São mudanças “simples” que facilitam muito a absorção das informações.

DATAVIZ

Outro pilar bastante importante e que acredito que talvez seja o mais coletivamente discutido dentre os três que listo é o famoso dataviz – ou visualização de dados, em boa tradução. De modo simples, é o esforço em encontrar a melhor forma para apresentar os dados analisados – destacando padrões, resumindo e comunicando números e apresentando informações. Dialoga muito com a questão do design, como podemos ver na apresentação a seguir, produzida por Julie Teixeira, uma das minhas primeiras referências no assunto e que continuo recomendando para vários colegas.

Nesse outro material, do blog Datawrapper, a autora Lisa Charlotte Muth indica quais fontes usar para gráficos e tabelas. Entra ainda em mais detalhes sobre fontes para explicar como cada uma funciona ou não para o tipo de visualização que está sendo cogitada, com vários exemplos destrinchados à minúcia. Embora a sua preocupação seja com dataviz mesmo, é um bom exemplo de como um também depende do outro. Novamente, não que haja uma necessidade em se estudar tipografia, mas como alguns conceitos e entendimentos básicos podem ser bastante úteis.

Existe uma avalanche de textos e materiais diversos sobre dataviz na internet à disposição, o que pode parecer um pouco sufocante e angustiante – como se você não fosse nunca conseguir aprender tudo que deveria, mas, novamente, o básico já é mais do que suficiente. Essa colinha da consultoria InfoNewt, especializada em melhorar a comunicação das empresas no contexto de técnicas e inovação de visualização de dados, por exemplo, já oferece alguns caminhos interessante para como apresentar porcentagem. Já o diagrama abaixo é uma tradução do IBPAD também bastante útil.

Também no blog do IBPAD, o professor Robert McDonnell oferece outras dicas simples (e fundamentais) para visualização de dados: sempre que possível, facilitar a comparação entre as categorias; usar cores de modo a informar categorias ou padrões; de preferência, não utilizar rótulos angulados, mas (quando necessário) garantir que tanto rótulos quanto anotações estarão no gráfico; e, por fim, tomar cuidado com os limites dos eixos para que ao mesmo tempo não pareça “maquiar” a realidade mas que também ajude a destacar o que precisa ser passado.

A série Remove to Improve do Dark Horse Analytics também mostra de maneira simples como nós complicamos – ou os próprios softwares complicam – a criação de gráficos, com o simples lema de: menos é mais. Mostra como detalhes simples como arredondar valores, remover rótulos redundantes, bordas e linhas pode fazer toda a diferença. Além desse material simples, fica a recomendação também dos sites RAWGraphs e Flourish, que dispõem de uma variedade de gráficos possivelmente interativos além de um fluxo de construção facilitada a partir da base que existe à disposição.

Por fim, pessoalmente, deixo aqui apenas mais uma opinião sobre dataviz: nem sempre é o gráfico mais bonito ou mais complexo que garante que as informações serão melhores transmitidas. Acho que é muito fácil para profissionais de dados caírem na tentação de querer sempre fazer um gráfico mais difícil que o outro, justamente para mostrar suposta habilidade com tal ferramenta ou método. O melhor gráfico é aquele que é útil, eficaz: quem vai ler consegue captar a informação? Se sim, perfeito. Pode ser um gráfico de barra ou até o polêmico gráfico de pizza (para até duas variáveis).

COMO VOCÊ QUER CONTAR ESSA HISTÓRIA?

Outra hypeword usada e desgastada exaustivamente no mercado é o tal do storytelling. É uma palavra que, imagino eu, veio de outras disciplinas bem distantes da nossa, mas que o mercado – sobretudo publicitário – adotou quando percebeu a importância da economia da atenção. Com tanto conteúdo, filme, série, site, vídeo no YouTube, vídeo no TikTok, notícia, artigo de opinião e, também, relatórios por aí, é de se esperar que diferentes profissionais estejam cada vez mais se preocupando com talvez uma das características mais básicas do ser humano: como contar boas histórias.

No contexto de apresentação de relatórios em análise de dados, contar boas histórias significa principalmente compreender as estratégias discursivas necessárias para capturar a atenção qualificada do leitor. E isso pode ser feito de diversas maneiras, inclusive usufruindo de técnicas de design e dataviz bem elaboradas, como destaquei nos pontos anteriores. O storytelling, aqui, é quem amarra tudo: é o fio condutor que, entendendo qual é o contexto, quem é a audiência e o que ela espera dessa entrega, dirige pelo caminho mais adequado para que a inteligência seja transmitida da melhor forma.

Refletindo sobre isso no ano passado, percebi que as histórias que nós, profissionais de análise de dados, temos que contar não são narrativas, mas dissertações. Lembra nas aulas de Redação quando a professora explicava que a classe dissertativa apresentava um problema o qual deveria ser discutido e geralmente resolvido com alternativas no texto? É bem parecido com o que somos contratados para fazer: endereçar/resolver problemas e/ou responder perguntas apresentando caminhos possíveis de solução, a partir de diferentes metodologias (e talvez aqui esteja a maior diferença da Redação).

É a mesma lógica também da pesquisa acadêmica: apresenta-se um problema que o pesquisador precisa analisar, discutir ou resolver de algum modo dentro da sua disciplina de estudo. A diferença, aqui, é que há um grande investimento (justificado) na metodologia e processo da análise, algo que na Redação do colégio é deixado de lado pela falta de instrumentos (criamos soluções a partir das nossas cabeças ou dos textos ali à disposição) e que no mercado o interesse maior está nas soluções criadas, mesmo que seja importante passar por como chegamos nesses insights.

Devido a minha trajetória profissional, de alguém que se criou dentro de um instituto de pesquisa e que ao mesmo tempo passou por uma graduação e mestrado com uma veia bastante acadêmica, demorei muito tempo para entender essa lógica. Passei muito tempo da minha vida preocupadíssimo em explicar, num relatório, toda a metodologia desenhada, ou aprofundar uma análise que, dando dois passos para trás e entendendo melhor o contexto da demanda, não faria muita diferença para o cliente. Foi uma virada de chave importantíssima para mim.

Hoje eu entendo e argumento que o storytelling de um relatório pode ser mais relevante do que os dados ou a análise em si. Quando digo isso, estou querendo dizer que o modo como os resultados serão apresentados através de artifícios de design e dataviz que facilitem a compreensão de quem vai absorver essas informações para atuar em tomadas de decisões mais assertivas pode ser mais importante do que uma análise mega complexa ou com uma metodologia super difícil. No fim do dia, independente das cento e poucas páginas, as empresas querem só os insights – e tudo bem.

A dica que eu dou e que levo para mim é sempre tentar entender duas coisas básicas: quem vai ler/consumir esse relatório e de que forma? A partir disso, você consegue pensar qual é o melhor fio condutor para apresentar essa história. Um relatório apresentado deve ser muito diferente de um relatório enviado por e-mail, assim como um relatório que chega à diretoria e gerência deve também ser muito diferente de um relatório que chega a coordenadores, supervisores e analistas de outras disciplinas, como criativos, por exemplo.

Para finalizar, então, só algumas dicas avulsas que tenho para mim e acho que podem ajudar:

  • Colocar no rodapé ou cabeçalho o nome do relatório, responsáveis pela produção e, em casos específico, o período ao que se refere a análise;
  • Idealmente, escrever textos com o mínimo de linhas possíveis – sempre tento que não passem de 3 ou 4 linhas, senão já se torna uma leitura que parece “pesada”;
  • Destacar números e e informações mais relevantes em cada slide, para facilitar e guiar o olhar de quem possivelmente fará apenas uma leitura dinâmica;
  • Não deixar nenhum dado solto ou descontextualizado – ou seja, explicar todos os picos/depressões, crescimentos, todo padrão que se quebre de alguma forma;
  • Também em relação aos dados, sempre apresentar um referencial – um número sozinho pode ser muito, pouco, igual, ou seja, trazer sempre comparativo histórico ou categórico;
  • Costurar os achados do relatório como num site, literalmente linkando as informações para criar uma coesão da história que está se desenvolvendo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.