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Para você, o que é ser nordestino?

Na semana retrasada, enquanto navegava pelo Facebook, encontrei uma publicação da página Nordestinos que, em comemoração ao Dia do Nordestino (8 de outubro), questionava aos seus seguidores: pra você, o que é ser nordestino? Achei bem interessante porque imediatamente lembrei que foi literalmente essa uma das perguntas do meu trabalho de conclusão de curso na graduação, com um quórum muito menor.

Na monografia, intitulada “O que faz ser nordestino no Facebook: escolhas da construção identitária nos sites de redes sociais”, selecionei 18 pessoas – duas de cada estado do Nordeste – para responder a um simples questionário, que basicamente perguntava (abertamente) o que era ser nordestino e por que se apresentar nordestino no Facebook. A partir das respostas, consegui discutir no trabalho algumas questões que dialogavam diretamente com a base teórica que desenvolvi, pensando a invenção do nordeste, identidade (cultural) na modernidade, etc.

Caprichem nas respostas 🥰

Posted by Nordestinos on Tuesday, 8 October 2019
Publicação da página Nordestinos no Dia do Nordestino (8 de outubro)

Quando vi a publicação com a exata mesma pergunta que fiz no meu trabalho, bateu a curiosidade: será que consigo encontrar semelhanças (ou diferenças) entre as 18 respostas que obtive e as algumas centenas de comentários que os seguidores deixaram na publicação da página? Vale ainda pontuar que, no desenho metodológico que tracei para selecionar os respondentes do TCC, a página Nordestinos (que fez a publicação) foi uma das mais relevantes para o critério de seleção, o que empiricamente aproxima ainda mais as duas ocasiões.

Diferentemente da monografia, entretanto, na qual analisei resposta por resposta (afinal, eram menos de 20), tive que recorrer a uma técnica analítica mais quanti-qualitativa para lidar com as centenas de comentários que a publicação recebeu. Utilizei, portanto, a análise de rede semântica, que me permite identificar no corpus de texto quais são os principais territórios discursivos que se formam. Feita a coleta dos comentários com um código em R para raspagem dos dados, criei o arquivo de co-ocorrência no Wordij e trabalhei no Gephi finalizando no seguinte resultado:

Antes de entrar na rede, retomo algumas das respostas ou alguns pontos que identifiquei na monografia sobre o que seria “ser nordestino”: 1) simplesmente ter nascido em estados do Nordeste; 2) associar (por osmose) valores simbólicos atrelados ao território; 3) reconhecê-lo como lugar da tradição e origem (como nos romances de 30); 4) vivenciar comidas típicas e festividades como São João; 5) reconhecer-se como povo forte/batalhador, apesar das adversidades e secas; 6) reconhecer-se como povo sofrido, mas sempre alegre/receptivo; 7) reconhecer-se como comunidade; 8) ter orgulho de onde é/veio, sempre defendendo o seu local.

Informante 15, de Sergipe: “É ter o sotaque mais bonito, ter orgulho do seu povo e suas histórias, amar o mar mesmo no inverno. É poder compartilhar a nossa rica culinária e cultura com outras regiões, espalhar as nossas gírias que só quem é nordestino entende, é tratar qualquer pessoa de outra região com o mesmo respeito e alegria.”

(MEIRELLES, 2017, p. 71)

Não é preciso ir muito afundo na análise para perceber, de imediato, como as respostas de ambas estão praticamente em perfeita consonância. A diferença que consigo perceber é somente analítica, visto que a rede permite também que trabalhemos com proporção: os agrupamentos (clusters) encontrados partem do ponto de maior frequência, ou seja, os nós maiores – orgulho, cuscuz, feliz, povo – são fruto de uma maior assiduidade de respostas. No TCC, não trabalhei quantitativamente, apenas complexificando e organizando os pontos (já citados) que encontrei.

Importante ressaltar também como uma rede semântica, diferente de outras redes comuns à análise de/em mídias sociais (como perfis, páginas, canais, etc.), nem sempre é tão bem delimitada; muitas vezes, como neste caso específico, devido à similaridade discursiva do corpus, os clusters se embaralham e se entrelaçam em suas teias de significado. O Gephi encontrou, por exemplo, nove clusters, mas que eu transformaria em quatro – conforme listei na tabela comparativa abaixo. Lado a lado, é possível perceber as semelhanças entre os pontos.

TCC (18 respostas)Facebook (+600 comentários)
Nascer no Nordeste
Valores simbólicos associados ao territórioSofre por problemas naturais, mas segue com fé e esperança (4)
Lugar da tradição e origemMuito orgulho de sua história e identidade (1)
Comidas típicas e festividadesDesfruta das melhores comidas (2)
Povo forte/batalhador, apesar das adversidades e da secaPovo guerreiro/batalhador, feliz apesar das dificuldades (3)
Povo sofrido, mas sempre alegre/receptivoSofre por problemas naturais, mas segue com fé e esperança (4)
Comunidade imaginadaMuito orgulho de sua história e identidade (1)
Orgulho da sua identidadeMuito orgulho de sua história e identidade (1)

Lembro como um dos feedbacks que recebi na banca foi a falta (ou a falha) de esquematização das minhas respostas – o que teria sido resolvido, por exemplo, com uma simples nuvem de palavras, a sugestão da professora. Por mais que eu compreenda essa necessidade científica de diminuir o social à fragmentação supostamente matemática do objeto, percebo também através dessa segunda tentativa o quão é difícil elencar esses valores. Talvez a mania de professor de colocar tudo em lista aqui não funcione tão bem.

Não porque não somos capazes de identificar quais são os valores associados ao que as pessoas compreendem no que seria “ser nordestino”, mas porque eles são e estão completamente embaralhados, tanto no discurso (semântico) quanto no imaginário. As coisas se sobrepõem, invadem o espaço uma das outras e vão de acordo ao que por tanto tempo se construiu como a narrativa do Nordeste e dos nordestinos. A comunidade inventada segue firme e forte, assumindo o lugar do oprimido que lhe foi imposto mas, talvez, pronto para se emancipar.

Obviamente, como discuti nas considerações finais do TCC, é de extrema importância complexificar tanto as respostas quanto o que está por trás das respostas (este que fiz nos dois primeiros capítulos, caso surja o interesse em saber). A primeira questão, entretanto, seguiria a discutir a generalização do todo em detrimento de alguns – de certo modo, como na construção do estereótipo: será que todas as pessoas que nasceram no Nordeste têm o sotaque arrastado, a cabeça chata, sofre(u) com a seca, etc.? Fica o questionamento para outro texto, quem sabe.