Autor: Anna Carolina

Planner Summit 2017: diversidade em pauta, por Anna Martinez

[Texto escrito por Anna Carolina Martinez, graduanda em Estudos de Mídia na UFF]

Nos dias 20 e 21 de maio aconteceu na cidade de São Paulo o Planner Summit, evento anual sobre planejamento realizado pela Media Education. A curadoria este ano ficou por conta de Gabi Terra (DM9DDB), que trouxe ao palco pesquisas, debates e palestras inspiradoras sobre um assunto bastante importante: diversidade. A proposta era mostrar como quebrar “paradigmas de dentro para fora e de fora para dentro dos clientes e das agências para ter marcas e campanhas mais verdadeiras e conectadas com o momento em que estamos vivendo”.

O evento, na verdade, acontece em dois dias: no primeiro, um workshop (que este ano contou com a própria curadora, Luiz Guimarães e Ricardo Sales); e, no segundo, as palestras. Embora não tenha participado na sexta-feira, tive a sorte de ganhar o ingresso para o segundo dia num sorteio feito pela organização do evento, e o que posso dizer é que segui o conselho que ouvi da Martha Gabriel em outro evento: “temos que aproveitar as oportunidades no momento em que elas aparecem”. Comprei a passagem de última hora (moro no RJ) e fui correndo pra São Paulo – de madrugada, sem nunca ter ido antes.

A minha proposta aqui, portanto, é compartilhar com vocês um pouco do que vi, junto a alguns tweets que rolaram durante o evento e outros conteúdos mais. Nesse sentido, já adianto que não sou a primeira: a Tuani Carvalho também fez um ótimo post sobre isso no Medium – que recomendo bastante a leitura. Aliás, foi um presente muito bom ter contato com trabalhos e profissionais incríveis. Incentivo quem quiser e puder ir a esses encontros porque faz toda a diferença poder ouvir as experiências e vivências dessas pessoas, é um aprendizado que vai muito além de um ppt bonitinho.

Nesta quinta edição do evento vários profissionais dividiram com a gente pesquisas e projetos com dados extremamente relevantes. Todos foram decididos a mostrar que é possível e necessário trabalhar a diversidade na propaganda (e na vida) de forma inteligente. E não só isso: para fazer diferença dentro e fora da agência basta querer dar o primeiro passo. Esse debate vai além de um tema “da moda”, e não aderir a essa mudança de cenário e consumidores não é só se manter num formato ultrapassado, é investir sem planejamento em um consumidor que muitas vezes sequer existe. É jogar dinheiro fora, de maneira irresponsável e perpetuando estereótipos e preconceitos.

Pude perceber que o evento se estruturou sob alguns prismas, se é que posso colocar desta forma: 1) representatividade na propaganda precisa ser mais inclusiva, “se não for por justiça que seja por inteligência” (Fala feita pelo Renato Meirelles do Instituto Locomotiva em sua apresentação sobre Diversidade na Propaganda); 2) atenção ao que é ativismo e o que é oportunismo; 3) a diversidade não pode ser da boca pra fora, tem que vir de dentro… O que está realmente sendo feito por essa mudança? Depois de muita reflexão e choques de realidade vem a cobrança de digerir tudo e o dever de começar a agir.

Por mais que o evento seja focado em publicidade foi muito rico pra mim como social media inserida num contexto de marketing digital. Somos profissionais que planejamos, criamos, lidamos com pessoas e propagamos conteúdo da mesma forma, fazemos parte do processo. Está na hora de abraçar a responsabilidade. Pois bem, respiremos por um instante. Antes de entrar nos detalhes das palestras, gostaria de agradecer novamente ao pessoal do Media Education pela oportunidade, e a Gabi Terra e Alexandre Formagio pelo evento. Não menos importante, ao Pedro por mais um convite de estar escrevendo para esse blog que tanto amo (<3). Agora sim, sigamos.

A primeira palestra foi a TODXS? – Uma análise da representatividade na publicidade brasileira com Isabel Aquino (Heads Propaganda). Em tempo, um parênteses: o uso do “x” como opção na linguagem inclusiva é bastante comum, mas ao mesmo tempo dificulta a leitura para algumas as pessoas. Fica uma dica sobre outras maneiras de usar as formas neutras. Ela apresentou a terceira onda da pesquisa feito pela Heads, uma análise feita a partir das propagandas exibidas na TV brasileira e os posts de marcas no Facebook, por uma semana – sendo repetido de seis em seis meses para poder acompanhar as possíveis mudanças. A pesquisa é bastante completa e os dados são os primeiros “tapas na cara” do dia.

E começamos com a seguinte pergunta:

Muita gente responde esse pergunta com um grande e sonoro: Não! Após a análise apresentada pela Heads ficou claro o porquê disso. A pesquisa mostra o quanto as estatísticas são alarmantes na divisão por gênero e o cenário fica muito mais crítico quando visto por raça. São analisados os personagens protagonistas, coadjuvantes, biotipos, estratégias usadas que reforçam estereótipos mas também alternativas pra mudar o cenário e por ações com empoderamento.

Só 7% dos negros são representados como protagonistas contra 83% de homens brancos, enquanto 12% de mulheres negras são protagonistas contra 84% de mulheres brancas. Os negros e outros tipos de representação só são lembrados quando é para retratar como sociedade é. E não para por ai…

Vimos estatísticas de reforço de estereótipos e o quanto mostram a presença de racismo, gordofobia, machismo, sexismo e tantos outros preconceitos ainda na publicidade. Abaixo estão algumas estratégias que são usadas que perpetuam essas desigualdades:

Já dá para perceber por que as pessoas não se veem representadas nas propagandas e quanto isso é problemático, não só pelo dinheiro que está sendo investido em uma imagem irreal mas também por perpetuar desigualdades. Para finalizar, Isabel mostra a comparação das ondas anteriores a essa. Por mais que o mercado esteja tentando se acertar com uma certa queda de conteúdos que reforçam estereótipos de gênero, ainda não houve aumento de comerciais que empoderam.

E qual a conclusão disso tudo? Temos como predominantes propagandas e posts que reforçam estereótipos e não representam a diversidade de raça e gênero da sociedade. A imagem principal utilizadas pelas marcas são homens, brancos e as mulheres seguem atrás com o mesmo perfil, pessoas negras são muito mal representadas, como protagonistas então são pouquíssimas. Isto quer dizer que temos muito trabalho pela frente. Vale ressaltar que a Heads foi a primeira agência a assinar o compromisso da ONU Mulheres para equidade de gênero. Não é pra enaltecer ninguém por tá sendo mais respeitoso mas é importante mostrar quando a proposta de mudança vai além do comercial.

A segunda palestra foi NOVOS CONSUMIDORES, NOVOS MERCADOS com Renato Meirelles (Instituto Locomotiva). Na minha humilde opinião foi uma das melhores se não a melhor palestra do dia. A pesquisa do Instituto Locomotiva apresentada por Renato foi muito feliz por vir logo após a fala de Isabel. Afinal todos nós já estávamos cientes do que estava acontecendo na propaganda, agora íamos saber que a situação é mais densa ainda.

Um trabalho de pesquisa extremamente bem feito, mostra que não só o cenário com o novo público consumidor e novos mercados estão ai e não sendo aproveitados, como mostra que as agências de publicidade precisam urgentemente rever seus conceitos, e se não for respeito e justiça social que seja por inteligência para não perder mais dinheiro. Esses são alguns dos dados apresentados:

  • 95% das pessoas não comprarão marcas ou produtos que, de alguma forma, não respeite a diversidade.
  • 79% afirmam que não aceitam calados qualquer tipo de preconceito na comunicação.
  • 85% apoiariam iniciativas de empresas que promovessem igualdade de oportunidades.
  • 67% das mulheres afirmam que as propagandas de TV mostram um padrão de beleza que é muito diferente da realidade brasileira
  • 61% concordam que as mulheres sentem-se frustradas quando não conseguem ter o corpo e a beleza das mulheres mostradas nas propagandas na TV.
  • 70% dos brasileiros afirmam que propagandas que ridicularizam homossexuais estão ultrapassadas. – Preconceito e homofobia definitivamente não são engraçados.

Mais um vez voltamos ao protagonismo negro que ainda é tratado como nicho, como apresentado anteriormente pela pesquisa da Heads.

Relembramos que são 130 Bilhões investidos em publicidade para isso:

Ainda preciso falar mais alguma coisa? Os dados já falam por si, esse modelo antigo de fazer publicidade está definitivamente ultrapassado. A mudança é questão de necessidade. Mas calma, ainda não acabamos:

Usar recorte de classes/ renda, para classificar o perfil do seu consumidor é falho.

É essa realidade que os planejadores e criadores de conteúdo se embasam? Pelo que vimos, não, né?! Agora, ousando ainda mais… Será que você está no recorte de classe que acredita fazer parte?

Esses equívocos simplesmente acontecem porque as agências estão lotadas por pessoas que fazem parte de uma “bolha social” e não pesquisam que o seu publico consumidor não é igual a si, não fazem parte do “seu quadrado” e não correspondem ao seu imaginário. As propagandas são reflexo de quem está no planejamento, criação e divulgação desses conteúdos.

Se pararmos pra pensar em todos esses dados apresentados, fica evidente que não dá mais, e nem é inteligente ignorar a maior parte da população brasileira. Para fechar, fica mais um ensinamento trazido por Renato: o que é óbvio pra você pode não ser obvio para o outro. Ainda precisa ter muita pesquisa, ouvir o outro, atentar ao ponto de vista de quem consome e não mais fazer conteúdo embasado em achismos e certezas que ficam restritas a um público.

Logo em seguida veio o primeiro painel do dia: E o que você está fazendo sobre isso? Os participantes eram Neivia Justa (Johnson & Johnson), Fernanda de Lamare (Wieden+Kennedy), Flávia Spinelli (Mcgarrybowen) e Ian Black (New Vegas) com a mediação de Gabi Terra. Como já dissemos, para a mudança acontecer, tem que começar de dentro, na sua agência, no seu trabalho, em você e no seu discurso. E esse painel tem esse intuito de mostrar o que esses líderes estão promovendo em seus ambientes de trabalho.

As estratégias são inúmeras: Neivia Justa apresentou que desde o início da empresa a Johnson & Johnsons é voltada para o empoderamento feminino, inclusive tendo o acordo com a ONU e núcleos de mulheres para discutir as necessidades; foram apresentados projetos de inclusão trans num acordo com o Jovem Aprendiz pela Flávia Spinelli (Mcgarrybowen); o Ian Black da New Vegas falou sobre a sorte de ter uma equipe mista, seu ativismo negro e que promove cursos voltados para as “minorias” – deu exemplos de cursos exclusivamente para negros e da possibilidade de abrir turmas para mãe solos; e Fernanda de Lamare (Wieden+Kennedy) também falou sobre os projetos de inclusão social na empresa.

Clique na imagem para assistir um trecho do debate

Sem dúvida o debate foi interessante, pois são ações que já estão sendo postas em prática. É o início da mudança. Agora, mudando a perspectiva: quantas pessoas negras, gays, trans, pobres, deficientes existem no seu ambiente de trabalho? Tem algo que você pode fazer para mudar essa realidade? Se sim, faça.

A última apresentação fechando o turno da manhã foi da Letícia Milião da Polis Consulting com Dados ajudando a decidir suas estratégias. A palestra basicamente reforçou que o planejamento precisa ser embasado por informações consistentes. E reforçou a importância do monitoramento não só para decidir a estratégia, como também entender cluster e oportunidades. Usemos os dados ao nosso favor, afinal, como disse a Letícia: “Se você não sabe o que esperar… Qualquer resultado é satisfatório”.

Logo depois da pausa para o almoço voltamos com mais atenção e calma no coração (sem fome) para a próxima palestra: Skol e diversidade: Como evoluir uma marca para uma postura mais democrática e contemporânea com Daniel Feitoza (AMBEV). A proposta da apresentação era mostrar o reposicionamento da marca não só adotando um novo discurso mas entendendo e aceitando seu passado para lidar com a transição e com o público. Afinal, não é porque a Skol decidiu vender diversidade que o consumidor vai esquecer das suas campanhas antigas, que na época davam um bom retorno, mas hoje – felizmente – não é mais assim.

Eu confesso que assisti e fiquei com um certo pé atrás. Por mais que ele tenha se esforçado em mostrar todo o processo com ações da marca adotando o novo posicionamento é difícil acreditar que de uma hora para a outra uma empresa extremamente machista mudaria de valores, ainda mais “partindo do presidente” como foi colocado pelo Daniel. Aliás, fiquei com essa dúvida: o presidente mudou junto com o reposicionamento da marca? Enfim, acho que só o tempo poderá nos dizer até onde é verdadeira a mudança da Skol.

Seja como for, é válido ressaltar o quanto é positivo que marcas com o alcance da Skol trabalhe o respeito e diversidade em suas ações. É uma forma de expandir a discussão, naturalizar a diversidade e ser um meio para ampliar falas de minorias que há tempos estão sendo ditas mas não tinham a devida atenção até então. Mas Daniel que me perdoe, essa história ainda não está convencendo… Gostaria de, inclusive, fazer alguns adendos nessa parte já que eu já estava fazendo alguns estudos paralelos sobre o tema.

Antes de mais nada a Skol fortalecia um estilo de vida em todas as suas campanhas e ações anteriores de caráter machista, sexista, reproduzindo o velho discurso do jovem homem que aproveita a vida zoando, bebendo cerveja e acha muito legal a objetificação de mulheres. Ok, pausa. Vocês já disseram que isso ficou no passado e acho ótimo, inclusive o trabalho de vocês para mudar essa imagem está sendo bem forte não só nas campanhas como no trabalho de social media nas fanpages, admiro isso.

“Curiosamente”, vocês decidiram se reposicionar depois de serem acusados de apologia ao estupro e serem obrigados a tirar a campanha de carnaval “Esqueci o não” das ruas. Isso foi em 2015, ano em que o feminismo e pautas associadas a igualdade de gênero estavam em seu ápice (na internet) – e isso sequer foi comentado como um dos motivos da mudança. Como uma empresa poderia ficar com uma imagem tão negativa com o seu público alvo? Ai começam os esforços… Novo slogan, nova linguagem, múltiplos eventos associados as ‘minorias’, promoção da diversidade e #RespeitoIsOn.

O que eu quero dizer com isso tudo é que acho maravilhoso o reposicionamento, mas me incomodou muito esse discurso/defesa de mudança radical como se tivesse latente na empresa e de uma hora pra outra ela veio à tona. Vocês foram pressionados, não aconteceu naturalmente, vocês não mudaram porque o seu presidente é mais humano… Pode até ser, mas isso não era levado em conta enquanto o perfil machista dava lucro.

Lucro é um bom ponto pra gente falar, já que o próprio Daniel citou que as vendas melhoraram bastante após o reposicionamento – o que é compreensível pelo cenário que já vimos anteriormente com as outras palestras. Mas é o que o Ian Black levantou na discussão do primeiro painel: como está esse reposicionamento dentro da empresa? Gostaria que ainda tivesse lá para ter participado com essa resposta.

Agora que já fiz minhas intervenções posso dizer que espero muito que a Skol continue nesse caminho, e parabenizo principalmente pelas campanhas “Reposter” e “Skolors” que foram feitas em parceria com pessoas que tem autoridade sobre o assunto. No mais, ficaremos acompanhando as novidades.

A segunda palestra da parte da tarde foi Trabalhar com o coração: viabilizando um projeto que nasceu para viver com Gustavo Rosa e Juliana Fava, ambos da Questto|NóA proposta do projeto com esse documentário é um tanto polêmica: falar com os homens sobre igualdade de gênero. Eles entraram em parceria com a ONU Mulheres e Papo de Homem para trabalharem juntos, e assim realizar e viabilizar esta pesquisa de abrangência nacional.

Na apresentação, mostraram quais os desafios e dificuldades que encontraram para que o projeto saísse do papel: os meses de pesquisa e estudo se aprofundando no tema e a busca por fontes diversas; o tema central ser o “calcanhar de Aquiles”: “de que forma pensar em falar com homens sobre igualdade de gênero sem colocá-los no lugar de vítima?”; a metodologia usada; e o percurso até encontrarem parceiros que os ajudassem.

Achei que a palestra focou mais nos “bastidores” – metodologia, processo com parceiros e resultados – do que no conteúdo do documentário. Para quem tem um primeiro contato, sem referência do que realmente se trata, isso não é tão bom. De qualquer forma, após a palestra eu assisti para entender melhor a proposta – e para poder escrever aqui com menos dúvidas.

Pois bem, quando eles disseram que queriam ouvir os homens pra falar sobre feminismo e igualdade de gênero eu quase tive um negócio na cadeira, mas conforme foram explicando fui ficando mais calma. A ideia foi utilizar as parcerias como meios para dialogar com as pessoas, isso é, o Papo de Homem conversar com os meninos sobre as pressões impostas socialmente na construção do que é “ser homem”, junto com a ONU mulheres que apoia a entrada de homens para o debate de igualdade de gênero – como com o projeto #HeforShe.

Essas experiências gravadas somadas a diversas entrevistas com profissionais convidados e pessoas pelas ruas, pesquisas quantitativas, e apresentações bastante didáticas dos múltiplos processos sociais para a construção de imaginário e identidade vão dando forma ao documentário.

Acho uma proposta interessante e válido o diálogo com os meninos. Essa abertura para falar sobre gênero não é fácil. A grande maioria segue a lógica patriarcal de como agir em sociedade e qual papel deve assumir. Muitos já tem isso tão naturalizado que reproduzem essas lógicas e comportamentos e não raramente diminuem as mulheres de inúmeras formas. Fazemos parte de um sistema machista e sexista em que muitos meninos crescem condicionados e ensinados a oprimir e reproduzir violências, e cabe a todos nós mudar isso ensinando o contrário: valores como respeito e igualdade.

Se esse documentário conseguir promover a abertura real de um diálogo pra melhorar a equidade será um ganho imenso para todos nós. Achei importante a dinâmica feita pelo pessoal do Papo de Homem nas escolas mas ao mesmo tempo me pergunto se essa metodologia não pode contribuir para um silenciamento da fala de uma mulher neste processo. Talvez seja uma forma deles se sentirem mais à vontade, mas de qualquer forma é um receio da minha parte.

É muito tênue falar sobre a necessidade de uma ‘desconstrução’ do que é ser homem sem tocar no que sofremos com esse sistema. Não reproduzir a lógica imposta pra eles não necessariamente faz com que tenham noção da gravidade de suas ações já naturalizadas e não continuem agindo com violência com as mulheres – nesse caso vai muito além da violência física. Por isso é fundamental a participação de mulheres neste processo.

Em um “mundo ideal” (ou do meu imaginário), quando o documentário já tivesse presente nas escolas, os relatos poderiam não só vir das participantes mas também de mulheres do ciclo dessas pessoas – mães, amigas, irmãs, avós…- talvez a familiaridade junto ao novo possa ser uma boa alternativa para que os meninos se sintam mais tocados e abertos a mudança.

Seja como for, espero que esse projeto abra uma brecha para torná-los cientes dos privilégios sociais que tem; ensiná-los a dar valor, importância e respeito ao lugar de fala e vivência de mulheres, e que cada vez menos reproduzam lógicas machistas. O projeto já tem tudo a seu favor vendo os resultados que alcançaram:

Agora seguiremos para o segundo painel do evento: Eu não sou igual a você. Os participantes dessa vez foram Verônica Merege e Juliana Matheus (R/GA), Rita Romão (Por Mais Turbantes Nas Ruas), Gustavo Otto (NBS) e Ana Cortat (Hybrid).

 

O objetivo desse painel era mostrar que a publicidade brasileira não reflete seu próprio povo. E isso nada mais é do que um reflexo da falta de diversidade nas equipes.

Adorei essa conversa, todos os participantes foram unânimes em dizer o quanto a realidade das agências é predominantemente fechada a diversidade, como existe a dificuldade de muitos planejadores e criadores em verem além da bolha que pertencem e quanto isso influencia no resultado final das propagandas.

E a única saída para melhorar esse cenário é trazer diversidade para ocupar esses espaços. Assim, vai chegar um momento em que o diferente vai ser naturalizado. E não é só colocar pessoas negras, gays, trans, ou qualquer “minoria” que seja só pra ocupar vaga e dizer que sua equipe é diversa ou para falar só quando o assunto for minoria, é dar espaço/oportunidade, trocar, construir junto.

Gustavo Otto compartilhou os preconceitos que passou dentro do ambiente de trabalho, e que hoje ele não se importa mais com gente que se incomoda pelo jeito como ele é e ou por como se veste. Acho ótimo que tenha conseguido chegar a esse ponto – aliás, amei sua saia prateada maravilhosa – mas quantas pessoas com trabalhos incríveis vão ter seus espaços restritos, engolir preconceitos e aprender a ignorar na marra pra que parem de pôr os achismos e preconceitos a frente?

Rita Romão também comentou a respeito, disse que é muito mais fácil você se sentir a vontade pra ser você mesmo num lugar onde existam outras pessoas com essa liberdade. Apresentou o projeto Por Mais Turbantes Nas Ruas e como ele tem um papel importante, ajudando a empoderar meninas negras, fortalecer essa identidade, além de promover um lindo símbolo de resistência.

Ela tinha uma energia contagiante, a mais falante, alegre e com ideias brilhantes – não digo que queria colocar ela num potinho de tão maravilhosa porque o mundo inteiro merece ver e ouvir essa menina. O que mais me tocou foi quando ela disse que tudo que alguém precisa é de uma oportunidade, o que mais tem por ai é gente boa demais sem espaço pra mostrar isso. Oportunidades como a que ela teve para estar ali no evento dividindo com a gente um pouco do seu trabalho e experiência – e que eu tive para poder contar isso tudo pra vocês.

As meninas Verônica Merege e Juliana Matheus – que estiveram aqui no blog na série Profissão Social Media – comentaram sobre como tentam fazer a diferença dividindo conhecimento, indicando contatos e ajudando como podem com o Jovens Planners. Eu andei vendo e parece ser bem interessante. E ela, Ana Cortat, apesar de muitos posicionamentos incríveis que reforçaram a ideia da necessidade da diversidade dentro das agências, uma das falas mais significativas para a discussão ao meu ver foi essa:

Por mais que já seja algo positivo um debate desse tipo e uma mudança visível em alguns posicionamentos de marcas e suas campanhas, o tema só vai tá sendo levado realmente a sério quando sair de um setor e virar pauta entre os CEOS. Enquanto a mentalidade não mudar de dentro pra fora, ficará difícil acreditar numa mudança real e não achar que é só mais uma galera se aproveitando do tema que está em alta.

Foi um debate muito rico e de muito aprendizado, espero que alguém disponibilize algum vídeo para poder dividir aqui.

Tá acabando, agora a penúltima palestra: Basta! As marcas precisam se posicionar! Caio Baptista da Mutato veio dividir a experiência de participar da campanha de reposicionamento da AVON e para mostrar a necessidade de um posicionamento das marcas. A publicidade contribui muito para a construção de imaginário, reforça valores e precisa ser mais responsável pelo que produz. Não dá mais para ficar se preocupando com as oposições e xingamentos.

Ele trouxe vários exemplos de campanha de reposicionamento, em uma delas, #MãeSemCulpa,  a protagonista foi a mãe dele falando sobre filhos e sexualidade, e quanta gente mandou mensagem para ela emocionado com a história e como ela agiu na situação. Outras como Máscara Big & Define apresenta: #OQueTeDefine com Karol Conka, Mc Carol e LAY , e Dona Dessa Beleza que tem a participação de influenciadoras fora do “padrão” para mostrar que beleza não é uma só, dentre outros exemplo. Como se já não tivesse lacrando o suficiente, ainda trouxe o Gustavo Bonfiglioli para falar um pouquinho como foi participar da campanha BB Cream Color Trend e a Democracia da Pele.

E pra fechar esse evento maravilhoso, André Chaves do Papel&Caneta levou a palestra O PODER DO COLETIVO PARA MUDAR O MUNDO. Ele apresenta o Papel&Caneta, uma empresa colaborativa e sem fins lucrativos, onde líderes de várias partes do mundo estavam dispostos a trabalhar juntos e buscar mudanças positivas em diversas causas.

Contou como foi sua jornada em NY, buscando ver o que estava acontecendo de novo no mercado e correndo atrás desses novos colaboradores. O primeiro projeto de sucesso, inclusive que o proporcionou indicação para Cannes, foi uma mobilização para ajudar a comunidade trans negra.

Além de citar outros projetos que já fez, André, falou um pouco sobre os líderes – todos premiados em Cannes, por sinal – e seus trabalhos para ajudar jovens. Alguns deles foram 25 Forty, sobre a diversidade na indústria; e Venice pop up park.

Não sei se é porque não sou publicitária mas fiquei muito mais interessada na parte em que ele contou sobre os projetos dessas pessoas do que quantos prêmios elas receberam. Acho que existem muitos trabalhos feitos de forma colaborativa que merecem atenção por trazerem valores e mudanças positivas, principalmente, se tiver muita gente diferente para trocar e somar aos projetos, envolvidos de fato pela causa.

Espero que tenha conseguido passar um pouco do que foi esse evento e mostrar como pode ser rico e importante participar desses encontros. Tive a honra de conhecer profissionais maravilhosos, seus trabalhos e suas experiências, além de ter contato com outras pessoas da área que tem tanto a agregar quanto os palestrantes que estavam no palco. Só tenho a agradecer, a todos. Até a próxima!

Marcha das Mulheres e mobilização online: debate, união e resistências, por Anna Martinez

[Texto escrito por Anna Carolina Martinez, graduanda em Estudos de Mídia na UFF]

A Marcha das Mulheres chegou até mim já pronta, articulada e no ápice de sua repercussão. No dia, abri o Facebook e me deparei com muitas imagens, vídeos e notícias sendo compartilhadas, e as inúmeras marchas em defesa aos direitos das mulheres e minorias que enchiam a minha timeline também me encheram de novas esperanças – parece clichê, mas não é. O feminismo é um tema bastante importante para mim, e ter recebido o convite para pensar nesta mobilização em que ele é central com o olhar das mídias sociais foi, sem dúvida, um presente.

No entanto, até começar a pesquisar para esse post, não tinha percebido o processo que já acontecia antes mesmo da Marcha ir para as ruas. Toda a estruturação desse movimento sócio-político já eram visíveis: discussões, resistências, debates, e articulação de uma ação-resposta mais significativa já apareciam nas redes sociais desde as eleições presidenciais dos EUA. Vejo a Marcha das Mulheres como parte de um longo processo de resistência, e gostaria de focar na importância da internet nisso tudo. Esta pode ser uma ferramenta bastante útil para a percepção de mudanças culturais, políticas e sociais antes mesmo de virem a tona no ambiente offline.

Uma breve retrospectiva pré-Marcha

Em novembro de 2016, Donald Trump venceu a eleição norte-americana contra Hillary Clinton ganhando não apenas poder político, mas um poder simbólico enorme que reforça seus valores e discursos. O problema é que estamos falando de um homem envolvido em várias polêmicas, com declarações racistas, xenófobas e sexistas, e que não tem problema nenhum em expor isso em entrevistas e campanhas. Por mais que ele deixasse claro não se importar com as pessoas que agredia com suas declarações, essas pessoas se incomodaram e utilizaram dos recursos que tinham para responder.

Os sites de redes sociais se tornaram um intenso “campo de batalhas”. Cada discurso desrespeitoso de Trump gerava uma chuva de mobilizações, respostas indignadas e revolta. Acredito que, às vezes, o opressor ‘ajuda’ a motivar a união dos grupos oprimidos a lutar, e foi exatamente isso que aconteceu. No dia seguinte da posse do novo presidente, mais de 3 milhões de pessoas, no mundo, foram para as ruas lutar por seus direitos, acontecia a Marcha das Mulheres.

Marcha(s) das Mulheres

No dia 21 de janeiro de 2017, as “Marcha das Mulheres” lotaram as ruas de várias cidades no mundo lutando pela voz que estavam tentando calar. A multidão com gorros de lã rosa com duas pontas era composta por mulheres, homens, e crianças. Juntos somavam mais de 500 mil manifestantes só na capital Americana – 200 mil a mais que os presentes no Capitólio e no National Mall para a posse do Presidente Trump. De acordo com os organizadores da Marcha, havia mais de 3 milhões de manifestantes em várias cidades dos Estados Unidos e também em outros países. Segundo o jornal Folha de São Paulo, na Europa, foram realizadas marchas em Londres, Berlim, Paris, Roma, Viena, Genebra e Amsterdã.

Na capital britânica, manifestantes relataram a participação de mais de 100 mil pessoas. Quênia e África do Sul representaram o continente com centenas de pessoas cantando músicas de protesto. E ainda houve passeatas em Tóquio, Sidney, Nova Zelândia, Rio de Janeiro e – pasmem – Antártica! Ao todo, estima-se que foram mais de 600 Marchas das Mulheres no mundo. O objetivo delas eram “o mesmo”: defender os direitos das mulheres e das minorias. Era uma reação aos comentários misóginos feitos por Trump, além das promessas de medidas contra o direito ao aborto, discursos de racismo, xenofobia, acusações de assédios e envolvimento em inúmeras polêmicas.

Falando em reação aos comentários de Trump, gostaria de apresentar uma curiosidade sobre símbolo das marchas: o gorro cor-de-rosa em formato de orelha de gatinho faz parte do projeto “Pussyhat Project” (Projeto ‘chapéu de buceta’ – tradução livre – é um trocadilho, pois a palavra em inglês “pussy” tanto pode significar gatinho quanto a forma pejorativa de se referir a vagina.). Trata-se de uma campanha a qual incentivava as mulheres a tricotarem gorros de lã cor de rosa com duas pontas para usarem ou distribuírem no dia da passeata. Os gorros fazem referência ao vídeo vazado de Trump no qual ele aparece falando “Quando você é uma estrela, elas te deixam fazer qualquer coisa. Pegue-as pela buceta”.

Por mais que a frase acima tenha indignado muita gente, nem todas puderam estar nas ruas somando à multidão. Felizmente isso não foi impedimento para acompanhar e participar das manifestações. As inúmeras marchas foram compartilhadas e transmitidas ao vivo no Youtube e nas mídias sociais, tanto por manifestantes quanto pela imprensa – e me atrevo a dizer, inclusive, que isso permitiu que a resistência das ruas e de rede atuassem juntas, aumentando o alcance de pessoas na mobilização. A própria Hillary Clinton foi uma que se aproveitou dessa extensão e tuitou agradecendo e apoiando a Marcha.

Além dela, outras personalidades e famosos se posicionaram, estiveram nas manifestações, postaram fotos, frases de apoio, e discursaram: Gloria Steinem, Angela Davis, Madonna, Scarlet Johanssen, Miley Cyrus, Rihanna, Alicia Keys, Cher, Helen Mirren, Katty Perry, Kristin Stewart, Julianne Moore, Michael Moore, Amy Schumer, Chimamanda Ngozi Adichie, além de inúmeros jornalistas e os demais presentes. Dentre todos os discursos feitos, gostaria de dar destaque a uma fala em Washington feita por uma das feministas mais importantes da história, Angela Davis:

“Esta é uma Marcha das Mulheres e ela representa a promessa de um feminismo contra o pernicioso poder da violência do Estado. E um feminismo inclusivo e interseccional que convoca todos nós a resistência contra o racismo, a islamofobia, ao anti-semitismo, a misoginia e a exploração capitalista.”

Particularmente, acredito que essas palavras ilustram muito bem a essência do movimento. O caráter inclusivo e interseccional faz com que vozes com diferentes pautas, vivências, e que por muitas vezes são silenciadas possam falar. Demonstra que a multidão está ali por um propósito: a luta por direitos, a busca por mudanças socio-políticas positivas para as mulheres, agregar mais pessoas à luta, e um posicionamento contra o discurso do atual presidente – na entrevista em que as organizadoras da Marcha em Idaho fizeram elas falam exatamente sobre isso. Não diferente do que um regime opressor pede, ela encerra seu discurso da seguinte maneira:

“Os próximos 1459 dias da gestão Trump serão 1459 dias de resistência: Resistência nas ruas, nas escolas, no trabalho, resistência em nossa arte e em nossa música.”

Feminismo e a importância do debate online

Após um melhor entendimento do que foi a manifestação e seus propósitos, voltemos ao foco deste post: o papel da internet nesse processo. Através dos sites de redes sociais, principalmente, é possível identificar quais são os assuntos mais relevantes e como eles tão sendo abordados, – quais são as hashtags que estão sendo mais usadas no Twitter, qual o tema mais pesquisado no Google, por exemplo – e  a partir disso, analisar  se as interações das pessoas estão sendo relevantes a ponto de gerar questionamentos sobre estruturas políticas, culturais e sociais. Utilizo da frase de Richard Rogers – em tradução livre – para me expressar melhor:

“A questão não é mais saber o quanto da sociedade e da cultura está online, mas sim como diagnosticar mudanças culturais e condições da sociedade através da internet.”

O acompanhamento dessas mudanças permite esse diagnóstico, e assim foi feito com a Marcha, diversos sites fizeram pesquisas monitorando o processo para entender melhor a situação – alguns deles foram Wired e Crimson Hexagon. E o que pude notar desse cenário é que o espaço que o feminismo ganhou nesses últimos anos fez toda a diferença para que essa marcha tivesse acontecido. Mesmo com várias outras pautas tão importantes quanto, o feminismo foi o anfitrião da Marcha das Mulheres, por isso daremos uma atenção especial a ele nesse momento – vale ressaltar que o feminismo não é um movimento homogêneo, pelo contrário, tem várias vertentes, o feminismo negro; interseccional; liberal; radical; marxista; são alguns exemplos.

O tema começou a ter destaque nas redes sociais no final de 2014, mas seu ápice aconteceu em 2015 – é possível ver esse crescimento no infográfico feito pela ONG Think Olga. Foi o ano de youtubers tratarem sobre o assunto, campanhas, hashtags, denúncias e respostas espertas a machismos em geral pipocarem na internet. Assim, o movimento se popularizou na rede e mostrou o quanto o debate era necessário e as situações estavam mais presentes do que imaginávamos. A internet propiciou que sites de redes sociais se tornassem espaços de reflexão e disputas simbólico-discursivas.

Em 2015, com todas essas ações e muitas identificações com os casos, começaram a surgir grupos para discutir e tentar entender o que é feminismo, falar sobre as situações passadas, tirar suas dúvidas, expor suas histórias, ouvir, apoiar e acolher de outras, combater as opressões. De alguma forma, essa crescente deu força para questões antes deixadas de lado viessem a tona, as mulheres buscassem saber mais sobre seus direitos e, juntas, fossem se respeitando mais e lutando por igualdade. Começava a se estruturar um movimento social.

“seria possível compreender uma ação online coletiva – que tenha como característica o ímpeto de transformação no âmbito social e não unicamente histórico – como parte ou o próprio movimento social. Por esse ângulo, seria aplicável o termo “movimento social” em ações coletivas na Internet que marcam o recente revigoramento do movimento feminista.” (SANTINI; TERRA; ALMEIDA, 2016)

Uma dessas ações coletivas bastante difundida foi a campanha #primeiroassedio. A #primeiroassedio foi criada pela própria ONG, após diversos comentários maldosos e fetichizados sobre uma participante do programa Master Chef Junior. A campanha incentivava mulheres a denunciar seus primeiros casos de abusos e/ou assédio. Este é um trecho da pesquisa que a ONG Think Olga fez em 2015 sobre ela:

“De acordo com o Google Trends, a hashtag #primeiroassedio, por exemplo, teve mais de 11 milhões de buscas relacionadas no buscador. Algumas procuravam saber o que era assédio, como ele acontece no trabalho, etc. Informações poderosas e transformadoras, ao alcance de um clique, encontradas pelo incentivo de uma simples hashtag.”

Eu mesma vi muita gente amiga expondo suas histórias com essa campanha, e o que eu posso te dar certeza é que muitas delas nunca tinham falado abertamente sobre isso. O que isso mostra é que o silenciamento da vítima  – seja por medo, vergonha, nojo, não importa – é uma realidade e essas campanhas serviram como uma forma de incentivar a falar. Foi algo que mexeu tanto com todos que tinham acesso a situação que o debate se tornou necessário, tanto para quem contava seu relato, quanto para quem lia. O assunto tabu acabou se tornando o mais falado, dentro e fora da internet.

Apesar da grande repercussão essa foi só uma das muitas campanhas que tiveram, o momento ficou propício e com isso surgiram várias outras denúncias e debates relacionados a assédios e violências contra a mulher. Infelizmente, foi fácil perceber que muitas mulheres sequer sabiam que o que passavam era um tipo de agressão ou assédio de tão naturalizado o machismo diário. Por outro lado, foi o momento que mais houve mulher querendo se ajudar, saber dos seus direitos, debatendo sobre os temas e se empoderando.

Não era de se espantar que da mesma forma que tiveram apoiadores, muitos se manifestaram contra as campanhas e aos relatos. Era comum ver falas como “ativismo de sofá”, “mimimi’, “modinha”, e “não vai dar em nada”. No entanto, o que essas pessoas não pararam para pensar é que política – em seu sentido mais amplo – é configurada a partir de disputas discursivas, é construção simbólica. Complementando o pensamento:

“Decisões políticas, sejam elas na forma de legislação ou políticas públicas, não são tomadas da noite para o dia, e necessitam, muitas vezes, de mobilização, pressão popular e debate público para sair do papel.” (FREIRE, 2016)

Por isso o debate público é tão importante, é um primeiro passo para que haja mudanças positivas. E, pelo mesmo motivo, tem muita gente não quer o debate. Não é todo mundo que tem interesse que esses assuntos venham à tona – o feminismo ainda incomoda e não é à toa: aciona gatilhos, remexe as feridas, gera revolta entre opressores e também entre os próprios oprimidos. Isso explica porque sempre haverá contra-ataque. Não é incomum responderem com ameaças, repressão e tentativas de silenciamento – é estratégico.

Agora que já está ciente disso, faço um apelo: se você que está lendo falou alguma dessas frases e não tinha a intenção de prejudicar ninguém, por favor, preste atenção – além de não estar incentivando o debate sobre o tema, essas falas desmerecem a vivência da vítima e propagam o silenciamento. Por mais que não concorde ou entenda, respeite o momento de fala dessas pessoas. Esses muitos debates e campanhas dão resultados, vide a Marcha.

Mudanças significativas no período dos debates coletivos acerca do feminismo

Antes dos exemplos gostaria de começar apresentando uma pesquisa que acredito ser bastante pertinente para nós que estamos tratando sobre um movimento de luta por mudanças políticas, sociais e culturais. O  “Mapa da violência 2015”, reuniu dados a respeito do Homicídio de Mulheres no Brasil –  feminicídio. O autor, Julio Waiselfisz, defende em seu texto que a normalidade da violência contra a mulher no horizonte cultural do patriarcalismo justifica, de certa forma “autoriza” que o homem pratique essa violência, com a finalidade de punir e corrigir comportamentos femininos que transgridem o papel esperado de mãe, de esposa e de dona de casa. Essa mesma “lógica justificadora” é utilizada quando a violência parte de desconhecidos.

Em outras palavras, a naturalização das violências sofridas pela mulher na sociedade que vivemos é cultural. Estruturalmente o homem se sente confortável e autorizado para agredir e reprimir por não estar ‘do seu gosto’. Por isso é tão comum ver incômodo com discursos que buscam essa mudança, e repressão aos movimentos como o feminismo que lutam por direitos e para mudar essa estatística. A fala de Waiselfisz (2015) só enfatiza a importância dos debates e das mobilizações tanto online quanto offline. Primeiro porque, como vimos, o debate online pode ser um primeiro passo para mudanças ‘reais’, e segundo porque as violências são visíveis nos dois meios.

Já que anteriormente falamos como foi possível perceber a condição de silenciamento das vítimas de violência através campanhas online, a primeira mudança significativa que quero dar atenção, a quebra da “espiral do silêncio”.

“Segundo Noelle-Nuemann (2005), quando um indivíduo silenciado encontra “parceiros verdadeiros” que compartilham de sua experiência ou de sua opinião, são capazes de resistir à pressão do grupo e escapar do medo do isolamento.” (SANTINI; TERRA; ALMEIDA, 2016)

A quebra da “espiral do silêncio” com a campanha online só foi possível, portanto, porque a iniciativa da ONG com a hastag inspirou mulheres a falar, se sensibilizar, contar as experiências, em muitos casos se expor, ler e se identificar com as falas de outras e isso instigou a todos. Normalmente, nos perfis de redes sociais estão presentes vários tipos de laços afetivos, familiares, amigos, colegas, às vezes, até mesmo o agressor, e que não esperavam se deparar com um relato de alguém “conhecido”, muito menos quando vê a timeline cheia de casos. Esse choque de realidade acabou provocando uma grande repercussão, e tornou possível que o movimento se espalhasse amplamente na rede. Surge aí uma ‘campanha-meme’:

Mais do que apenas campanhas virais, compreendemos tais iniciativas como memes, sobretudo, pelo seu poder de construção que parte de um ato individual, mas ganha uma dimensão coletiva, capaz de mobilizar, impactar outras pessoas e até gerar um debate público sobre o tema. (FREIRE, 2016)

E os diferentes tipos de laços afetivos que citei acima são bastante importantes para as ‘campanhas-meme’ darem certo. Segundo Crossley (2015), seus amigos no Facebook são divididos em os laços fortes, responsáveis por cultivar o sentimento de comunidade e organizar ações coletivas (família e amigos próximos, por exemplo); e os laços fracos – aqueles colegas restantes do Facebook que você mal fala mas estão presentes – que criariam oportunidades para expandir a ação para um grande número de pessoas com as quais eles não entram em contato fora da rede social. Com isso, a internet se torna ideal para o nascimento de inquietações sociais.

Esse período de mudanças comportamentais, sociais e políticas, de empoderamento em rede, tornou o momento favorável para a sanção da Lei 13.104/2015, a Lei do Feminicídio – ainda sujeita a críticas e controvérsias mas um avanço em comparação ao que tínhamos até então – e mais, foi possível registrar um aumento significativo de denúncias de violência contra a mulher. Segundo o Balanço da Central de Atendimento a Mulher, houve um aumento em 40% do número de denúncias no disk 180, Canal de Atendimento à Mulher da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Por mais que seja um dado triste e preocupante, ao mesmo tempo é visível o rompimento do silenciamento. Para quem desconhece, o serviço é gratuito e funciona 24 horas por dia todos os dias.

Felizmente, as mudanças positivas não pararam. Com o intuito de mapear os casos de violência, facilitar o socorro, zelar pela segurança, e até outras pautas de direitos da mulher várias ONGs ou jovens engajados na causa investiram na criação de aplicativos. Um deles foi o “Chega de Fiu fiu”, criado para lutar contra o assédio sexual em locais públicos:

Foi por meio de seu envolvimento com um projeto intitulado “Chega de FiuFiu”, promovido pelo coletivo “Think Olga”, que uma adolescente de 17 anos desenvolveu um aplicativo para celulares no qual qualquer mulher que se sentir assediada, seja verbal, visual ou fisicamente, pode registrar o local onde aconteceu o assédio e informar outras mulheres de que naquele lugar assédios são frequentes. O objetivo, a priori, é dar voz a vítimas de assédio e, a posteriori, oferecer às autoridades competentes números a respeito dos assédios sofridos todos os dias nas ruas das cidades brasileiras. (COELHO, 2016)

Além dessas tiveram muitas outras mudanças relevantes, mas pedimos licença para não ter o trabalho de elencá-las todas aqui. Citei só algumas para mostrar que o debate online com toda a mobilização foi essencial para que fosse possível ‘tirar do papel’, já que abriu os olhos de muita gente e agregou muitas mulheres a causa. Conseguiram criar um momento propício para ampliar a rede de discussão, virou pauta também em programas de TV, campanhas publicitárias, músicas, filmes, artigos, e políticas pelo direito da mulher.

E o que esses exemplos têm a ver com o monitoramento da Marcha das Mulheres?

A Marcha foi uma ação de grandes proporções mas que não aconteceu de uma hora pra outra, vem de um processo. O “terreno” já estava sendo preparado há anos. Os debates online estão proporcionando ações offline, estão quebrando silêncios, aproximando pessoas de diferentes lugares do mundo, dando mais coragem a quem sofre qualquer tipo de violência a denunciar, uma série de relatos estão aparecendo, aplicativos sendo criados, etc. – e todo esse boom são mudanças sociais, culturais e políticas. Estamos gerando dados qualitativos e quantitativos – o tempo todo – e estes tendo a devida atenção, sendo mapeados, poderão ajudar muito. Eles não só são essenciais para entendermos a situação mas podermos agir da melhor forma.

Retomando a fala de Richard Rogers, ainda há certo ceticismo por parte de algumas pessoas até politicamente engajadas sobre a efetividade dos debates online. Reclama-se muito dos textões e da banalização das problematizações exacerbadas nos tempos de hoje. No entanto, citando desta vez Christine Hine, a internet já não é mais uma “porta de entrada”, mas uma experiência vivida incorporada, corporificada e cotidiana. Entendendo que a cultura é um compilado de disputas simbólicas pessoais e estruturais, precisamos sim reforçar um discurso contra-hegemônico que dê voz a grupos historicamente silenciados que precisam se impor para (des)construir um cenário que os violentam simbólica, física e estruturalmente. Nesse sentido, o debate do feminismo nas mídias sociais vêm como forte capacitador.

Pode parecer muito otimista, mas essa brecha que foi aberta e segue forte como resistência graças à aglomeração nas mídias sociais pode ser um forte aliado à luta das mulheres. Além do alcance (que resulta em conscientização), a internet tem o poder de impulsionar. Segundo uma análise feita pela Crimsom Hexagon, no dia 21 de janeiro de 2017, foram mais de 11.5 milhões de posts feitos nas mídias sociais – 1.5x mais volume do que o dia da posse. Curiosamente, foi também nesse momento que os sentimentos de medo e nojo que predominaram no período das eleições perderam espaço para um sentimento completamente oposto, de alegria: “na esperança de transformar o negativo no positivo, ativistas em todo o país (e no mundo) começaram a organizar protestos que pudessem purificar o medo, a raiva, a tristeza e a frustração em algo mais potente e proativo.”

Nada disso é um mar de rosas e estamos cientes disso, cada linha desse texto só mostra que a violência contra a mulher está presente e que tem muita luta pela frente. Sempre vai ter gente querendo silenciar, ridicularizar ou diminuir, porque é estratégico. O silenciamento é proteção para quem oprime e não para o oprimido. O debate cada vez mais se faz necessário. E estar atento ao que está em voga, sendo discutido, produzido, aos coletivos, aos grupos de debates, é estar um passo à frente dos acontecimentos. Utilizar a internet ao nosso favor, diagnosticando essas mudanças de antemão, faz toda a diferença para saber como agir de forma estratégica. Acho que mais do que nunca, isso está claro.

As informações estão aí para quem quiser ver, agora saber o que fazer com elas é extremamente pertinente pro momento em que vivemos. Sempre vale lembrar que da mesma forma que a ferramenta está disponível para resistência está para a opressão. Fiquemos atentas(os)!

Referências

COELHO, M. P.. Vozes que ecoam: Feminismo e Mídias Sociais. Pesquisas e Práticas Psicossociais, v. 11, p. 1, 2016.

CROSSLEY, Alison. Facebook feminism: social media, blogs, and new technologies of contemporary u.s. feminism. Mobilization: An International Quarterly, v.20 (2): p. 253-268, 2015.

FREIRE, Fernanda. Campanhas feministas na internet: sobre protagonismo, memes e o poder das redes sociais. Em Debate, Belo Horizonte, v.8, n.5, p.26-32, jul. 2016.

Santini, Rose Marie; TERRA, C.; ALMEIDA, A. R.. FEMINISMO 2.0: A MOBILIZAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL CONTRA O ASSÉDIO SEXUAL ATRAVÉS DAS MÍDIAS SOCIAIS (#PRIMEIROASSEDIO). P2P & Inovação, v. 3, p. 148-164, 2016.