Já faz um tempo que eu queria fazer um trabalho de monitoramento “independente” para produzir um relatório público que integrasse portfólio. Cheguei a cogitar alguns temas no ano passado, mas nada me incentivava – tanto em termos de inspiração quanto de condições “técnicas” – o suficiente para que aquele desejo fosse realizado. Neste ano, tive a ideia de fazer um infográfico do The Voice Kids e até rodei um monitoramento no Twitter, mas tive alguns problemas técnicos que me impediram dar continuidade a isso. Algumas semanas depois, veio “Axé – Canto do povo de um lugar”.
O filme, em suma, conta a história da axé music. Dirigido por Chico Kértesz, traz uma série de entrevistas – foram mais de 100 – com atores importantes da cena musical baiana, dentre artistas, músicas, jornalistas, produtores, empresários, etc. É um registro importantíssimo para esse fenômeno que surgiu na década de 80, ascendeu absurdamente em 90 e perdeu toda a força dos anos 2000 em diante – com uma estrela se tornando muito maior do que o próprio movimento. Alguns trabalhos acadêmicos e um livro (Por Trás dos Tambores, de Jonga Cunha) já tentaram deixar a marca do axé na história, mas obviamente não se comparam com o impacto midiático que um documentário sobre o tema teria perante o público baiano e brasileiro.
Caso o entusiamo da minha fala ainda não tenha deixado evidente, eu gosto muito de axé. Ouvi muito enquanto criança, tendo nascido em Salvador, e depois de uma fase adolescente rebelde, voltei a ouvir vários clássicos de carnavais passados pouco antes de entrar na faculdade. Comecei a ir em shows de vários artistas, conheci os “carnavais fora de época” (ou micaretas, para quem é do Sudeste) e até garimpei por textos acadêmicos sobre o assunto – por um tempo, esse seria o meu objeto de TCC. O interesse foi tanto que até entrei para a equipe da página Trechos de Axé, um projeto muito bacana que tenta manter acesa a chama já praticamente apagada da cena nos últimos anos. Tenho até hoje os textos que escrevi, em sua maioria reflexões e opiniões sobre a indústria falida da axé music.
Quando eu soube do documentário, ainda em outubro de 2016, fiquei muito feliz por ele ter sido produzido e extremamente ansioso para assistir. Mas foi só três dias antes da estreia no circuito comercial, 19 de janeiro de 2017, que eu tive a ideia de unir o útil ao agradável: finalmente tirar do papel a ideia de fazer um relatório de monitoramento com um tema que muito me interessava. Corri então para montar um planejamento prévio, pensar nas ferramentas que iria utilizar, qual seria o período analisado, quais seriam os objetivos, como eu faria a estrutura de todo o escopo do trabalho, etc. E agora que o resultado já está no ar, são esses aspectos “dos bastidores” que eu gostaria de compartilhar aqui.
Primeira parte: planejamento, configuração e base de dados
A primeira coisa que eu fiz foi colocar no papel tudo que eu queria e tudo que eu pretendia. Desenvolvi um desenho metodológico que rascunhava quais eram os objetivos, ou seja, onde eu queria chegar com aquilo; e também como eu chegaria naquilo, quais ferramentas eu teria que utilizar para fazer o monitoramento e a partir de quais critérios (em outras palavras, quais seriam os termos ou combinações para coleta).
Num primeiro momento, pensei em fazer apenas no Twitter. Já tinha feito algo parecido no curso de Social Media Analytics da QUT e conhecia bem a ferramenta TAGS (que é tão fácil de usar que tem somente um vídeo-tutorial ensinando). No entanto, pela baixa popularidade do objeto, percebi que somente o Twitter não seria o suficiente. Tive que pensar em ferramentas que coletassem também Instagram, já que as restrições do Facebook não permitiriam fazer o mesmo. Acabei optando pela TAGS para o Twitter e a Netlytic para o Instagram, ambas gratuitas e disponíveis a todos – a última até tem opções pagas, mas a primeira opção disponibiliza 2.500 registros gratuitos para coleta.
Aqui eu preciso admitir uma falha absurda da minha parte: nas queries de pesquisa para o Twitter, pensei apenas nos modos “mais simples” pelos quais as pessoas iriam se referir à obra (filme/documentário + axé) – mais sobre isso no slide Metodologia do relatório. No entanto, deixei de lado aqueles que seguiriam à risca a formalidade e fariam menção ao documentário apenas com seu título original: “Axé – Canto do povo de um lugar”. Depois da conclusão do relatório, tive a sorte de pesquisar por essa possibilidade e perceber que não houve um volume muito grande dessas ocorrências. De qualquer forma, deixo aqui esse mea-culpa.
Fora isso, todo o planejamento e a configuração das ferramentas funcionaram perfeitamente. Vale pontuar também que só pensei no monitoramento de canal próprio a ser feito no Facebook quando os outros já estavam rodando. Felizmente esse tipo de coleta não exige uma configuração antecipada como é o caso no Twitter, onde as ferramentas só conseguem resgatar tweets de até sete dias antes da execução das configurações – em alguns casos, se não me engano, a extensão máxima é de 30 dias. Puxei os dados do Facebook com a Netvizz somente na segunda-feira, quando o período tinha encerrado.
O grande benefício de trabalhar com essas ferramentas é o fato de elas serem gratuitas. Embora a Netlytic tenha algumas funcionalidades de análise (como text analysis e social network analysis), a Netvizz e a TAGS foram feitas para fornecerem somente os dados para que você possa trabalhar em outro ambiente – como no Gephi ou numa planilha do Excel mesmo. E foi o que eu fiz: com os dados em mãos, criei a planilha cuja imagem você vê acima para utilizar como minha principal base de dados. Ali juntei as coletas do Twitter, Instagram e Facebook de maneira separada e junta para poder trabalhar de forma integrada. Algumas coisas ainda tive que fazer a mão, como por o número de seguidores do Instagram e o perfil dos usuários do Facebook – que a Netlytic e Netvizz, respectivamente, não traziam.
Segunda parte: classificação e análise
Depois de ter montado o planejamento, escolhido as ferramentas e configurado (e rodado) a coleta, parti para a classificação. É importante pontuar que essa classificação não foi feita de maneira “avulsa”, pelo contrário: ela seguia os objetivos que eu tinha estipulado no desenho metodológico – que disponibilizei no Google Drive e você pode acessar clicando aqui. Cheguei até a montar uma estrutura prévia do relatório, para garantir que minha árvore de tagueamento atendesse às demandas que eu queria suprir – e perguntas que eu queria responder – na apresentação.
Pode parecer simples e óbvio, mas pensar uma estrutura para essa classificação (a chamada árvore de tagueamento) é um momento crucial para o andamento do trabalho. Isso porque de uma simples mensagem é possível decodificar diferentes aspectos de interpretação. O comentário: “Poxa, queria muito ver o filme com minha mãe, mas não está passando em Maceió” – pode ser visto dentro de um contexto de lamentação, reclamação, intenção, companhia, ausência e demanda, pelo menos. Nesse caso, uma exploração inicial pode ajudar a explorar o caráter das mensagens, mas são os objetivos do trabalho que vão oferecer as perguntas que você precisa responder.
O meu principal objetivo para esse relatório era montar um ranking das cidades que mais possuíam demanda pelo filme – porque ele havia estreado apenas em algumas cidades e, no Nordeste, apenas em cidades da Bahia. Então tive que correr bastante para classificar as mais de 1700 (esse número diminuiu bastante depois, quando limpamos comentários não-válidos) mensagens coletadas num período que inicialmente seria de três dias (de segunda a quarta-feira). Foi quando pedi socorro para Roberta Cardoso, minha colega e mestre que tive a oportunidade de conhecer através do IBPAD e tanto me ensinou e me ensina até hoje.
Com sua ajuda, conseguimos terminar a classificação dentro de um prazo razoável. Meu “sonho” inicial era terminar tudo e divulgar até quarta-feira, para poder entregar à produtora a lista de cidades onde eles deviam tentar distribuir o filme baseado nos pedidos das mídias sociais com certa antecedência. Só conseguimos finalizar a classificação na quinta, mas foi tempo suficiente para nos dedicarmos à análise – que, para fins desse trabalho específico, seria bem simples. Com as perguntas bem estruturadas, só precisava dos números para apresentar no relatório. E deixo aqui meu agradecimento mais que especial a Roberta, cuja experiência foi fundamental nesse momento.
Quarta parte: relatório
Embora tenha sido a última etapa, o relatório em si era a parte mais importante do trabalho. Isso porque, para além da análise do monitoramento, o objetivo “maior” era criar um produto que servisse de portfólio para a minha bagagem profissional. Foi por isso que desde o início convidei minha amiga de infância e hoje sócia-diretora de uma agência em Aracaju, Lara Telles da Molotov, para colaborar na elaboração do projeto. Não há como negar a importância de ter um relatório visualmente agradável, com diagramação bem feita, recursos imagéticos favoráveis, etc.
Por ter sido o último momento do trabalho, não significa que foi tratado de qualquer jeito. Como comentei anteriormente, já tinha feito uma “estrutura” no desenho metodológico e ainda na classificação comecei a montar um esqueleto para a apresentação. A minha principal preocupação era lembrar de uma fala bastante presente durante todo esse tempo que leio e estudo sobre monitoramento/métricas nas mídias sociais: é preciso saber contar uma história com os dados. Pensei, então, numa introdução que contextualizasse o objeto, motivação, metodologia, conexões entre as “partes”, etc. – tudo para tentar montar uma estrutura que guiasse o leitor de forma coerente e inteligível.
Também tive a preocupação de, com a ajuda de Lara, por em prática o que aprendi nos últimos anos sobre visualização de dados. Ou seja, não simplesmente jogar os gráficos e informações de qualquer jeito, mas ter cuidados simples que facilitassem a compreensão do leitor e deixasse a apresentação visualmente mais agradável aos olhos, tendo um direcionamento bem indicado logo de cara.
Para finalizar num tom ainda mais pessoal, queria compartilhar que estou realmente muito feliz com esse trabalho. Produzir um relatório público de monitoramento era uma das minhas metas para 2017 e já consegui fazer isso em janeiro! Poder fazer ainda sobre um tema tão próximo a mim foi de um sentimento ainda mais especial. E ainda ter duas pessoas que admiro muito profissionalmente ao meu lado foi extremamente gratificante. Agradeço também a Ana Cláudia Zandavalle, que me apoiou e tirou dúvidas sempre que precisei; a Jaqueline Buckstegge, minha mestre também do IBPAD; e ao marido de Roberta, Fábio Oliveira, que fez a capa linda pra gente.
Espero que sirva também de inspiração para quem está começando (ou para quem já tem mais experiência mas deseja finalmente produzir conteúdo) e estou à disposição para tirar quaisquer dúvidas. Tudo que aprendi em cursos e estudos pessoais sobre monitoramento foi de extrema importância, mas – como em qualquer ocasião – algumas dúvidas vão surgindo ao decorrer do caminho (principalmente quando se trata do Excel). Também posso compartilhar todos os arquivos (planilha e esqueleto da apresentação), basta solicitar. Uma recomendação final: assistam ao documentário!
Referências
http://www.slideshare.net/tarushijio/monitoramento-de-midias-sociais-casper-libero-072015-parte-01
http://pt.slideshare.net/julieteixeira/dataviz-com-julie-teixeira