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10 artigos sobre performance, análise de redes e métodos digitais

No final do ano passado, finalizei um dos ciclos mais importantes da minha vida: a faculdade. Foram cinco anos na graduação de Estudos de Mídia estudando muito sobre comunicação, cultura, sociologia, política, mídias, identidade, consumo e muito mais. Embora tenha sido um bom aluno (com boas notas), sei que não aproveitei a universidade em todo o seu potencial – em vários sentidos, mas principalmente também quanto ao aprendizado. Sei que não sou completamente responsável por essa negligência – coloca aí na conta a falta de maturidade, um sistema de ensino ainda ultrapassado (mesmo num curso progressista como o meu), despreparo acadêmico, etc. -, mas reconheço que poderia ter aproveitado muito mais.

Inicio hoje aqui no blog, portanto, mais essa série de posts (não tão compromissadas quanto outras que já fiz, sem periodicidade definida nem promessas possivelmente falhas) na tentativa de tirar esse atraso. Acrescento a isso também outros dois motivos principais: 1) o meu “projeto” de mestrado (não o material, mas o projeto enquanto concepção mais abrangente), que engloba uma vontade de me manter atualizado com publicações recentes dentro do meu campo de interesse ao mesmo tempo em que (re)descubro leituras importantes/fundamentais para a minha área; 2) e, não menos importante, o meu humilde desejo – e tentativa constante – de expandir os muros da academia, trazendo-a para espaços mais abertos, já que muitas vezes a produção acadêmica (pública e de excelência, pelo menos no Brasil) não é tão bem aproveitada.

Neste primeiro post, compartilho 10 artigos que li recentemente – nas últimas semanas ou no máximo nos últimos meses. Apenas para fins de conteúdo, separei-os em três categorias: descobertas metodológicas, estudos de caso e reflexões epistemológicas. O primeiro grupo são quatro artigos cujo principal crédito que extrai da leitura foi um quadro de trabalho metodologicamente interessante e possivelmente replicável em futuras pesquisas; O segundo também são estudos de caso, mas o foco principal não é a metodologia e sim a análise com diferentes práticas metodológicas (quantitativas e qualitativas); O terceiro tem um nome pomposo (porque a academia gosta), porém é basicamente um conjunto de artigos que reflete sobre a prática de pesquisa desde a sua composição crítica até sua perspectiva prática.

DESCOBERTAS METODOLÓGICAS

Political Storytelling on Instagram: Key Aspects of Alexander Van der Bellen’s Successful 2016 Presidential Election Campaign (2017)

Karin Liebhart, Petra Bernhardt

This article addresses the strategic use of Instagram in election campaigns for the office of the Austrian Federal President in 2016. Based on a comprehensive visual analysis of 504 Instagram posts from Green-backed but independent presidential candidate Alexander Van der Bellen, who resulted as winner after almost one year of campaigning, this contribution recon- structs key aspects of digital storytelling on Instagram. By identifying relevant image types central to the self-representation of the candidate, this article shows how a politician makes use of a digital platform in order to project and manage desired images. The salience of image types allows for the reconstruction of underlying visual strategies: (1) the highlighting of the candidate’s biography (biographical strategy), (2) the presentation of his campaign team (team strategy), and (3) the pre- sentation of the candidate as a legitimate office holder (incumbent strategy). The article thus sheds light on visual aspects of digital storytelling as relevant factor of political communication.

Este artigo eu li para produzir o relatório EM BUSCA DO MELHOR ÂNGULO: a imagem dos presidenciáveis no Instagram – uma análise quanti-qualitativa com inteligência artificial lançado pelo IBPAD recentemente. As categorias de classificação propostas pelos autores foi replicada nesse novo trabalho, apenas com algumas adaptações/adições às originais. Além da ótima fundamentação teórica e discussão sobre política, também pode ser muito interessante para quem estuda auto-apresentação nas mídias sociais (principalmente no Instagram). Se tudo de certo, espero transformar o relatório que fizemos num artigo ainda mais crítico e reflexivo sobre o modo como esses políticos brasileiros se apresentam na plataforma. Clique aqui para baixar.


‘‘Privacy’’ in Semantic Networks on Chinese Social Media: The Case of Sina Weibo (2013)

Elaine J. Yuan, Miao Feng, James A. Danowski

Unprecedented social and technological developments call into question the meanings and boundaries of privacy in contemporary China. This study examines the discourse of privacy on Sina Weibo, the country’s largest social medium, by performing a semantic network analysis of 18,000 postings containing the word ‘‘ (privacy).’’ The cluster analysis identifies 11 distinct yet organically related concept clusters, each representing a unique dimension of meaning of the complex concept. The interpretation of the findings is situated in the discussion of the rapidly evolving private realm in relation to emerging new contexts of the public realm. Privacy, justified for both its instrumental functions and intrinsic values, both reflects and constitutes new forms of sociality on the sociotechno space of Weibo.

Outro artigo que foi essencial para uma produção minha. Recentemente descobri a partir de indicação de Tarcízio Silva a fantástica ferramenta WORDij. É uma ferramenta que, na verdade, agrega várias mini-ferramentas, mas (por falta de conhecimento) minha utilização tem sido voltada para a rede semântica de palavras que ela é capaz de gerar. No artigo em questão, os pesquisadores a utilizaram para analisar 18.000 posts sobre “privacidade” num site de rede social chinês – e conseguiram identificar 11 clusters distintos a partir da co-ocorrência de palavras, criando um mapa discursivo para os territórios conceituais abordados. Utilizei a mesma metodologia para produzir artigo no prelo, analisando 4.000 comentários de uma notícia do G1. Clique aqui para baixar.


A Forma Perspectiva no Twitter: uma técnica quanti-qualitativa para estudos de Redes Sociais (2014)

Lorena Regattieri, Fábio Malini, Nelson Reis, Jean Medeiros

Como podemos identificar perspectivas em grandes redes, através da aplicação de algoritmos de modularidade? Em humanidades digitais (MORETTI, 2013; JOCKERS, 2013), há um bom número de trabalhos acadêmicos explorando rotinas computacionais para agrupar e analisar grande quantidade de dados. Recentemente, dados sociais tornaram-se uma fonte valiosa para estudar fenômenos coletivos, eles fornecem os meios para compreender a coletividade humana por meio de análise de grafos. Neste trabalho, descrevemos a nossa abordagem sobre a forma da antropologia pós-social (VIVEIROS DE CASTRO, GOLDMAN, 2012), utilizando de técnicas de análise quanti-qualitativa e semântica. Esta técnica utiliza um script python para extrair a rede de co-ocorrência de hashtags de um do Twitter, a fim de aplicar no contexto do software open-source Gephi, gerando grafos. Assim, podemos descobrir o fluxo de perspectivas que envolvem uma controvérsia, categorias que revelam os pontos de vista em um debate disposto na rede. Nesse trabalho, utilizamos como estudo de caso o evento da Copa do Mundo 2014 no Brasil, precisamente, os dados relacionados a rede FIFA. Concluindo, este estudo apresenta um quadro teórico e metodológico baseado nos pós-estruturalistas, uma composição que tem como objetivo apoiar estudos no campo das ciências sociais e humanas, e provoca novas possibilidades para os estudos comunicacionais.

Esse artigo eu resolvi ler porque sabia que abordava propostas metodológicas para apresentação/visualização de redes de co-ocorrência utilizando o Gephi. Ou seja, seria um complemento à ferramenta e processo do artigo anterior. Confesso que a primeira parte, na qual os autores tentam associar a teoria ator-rede e antropologia pós-social com as humanidades digitais, é meio estranha, mas o estudo de caso com hashtags da FIFA apresentado ao fim entrega justamente o que eu estava procurando: melhores práticas para layouts de co-ocorrência no Gephi. Tenho testado as sugestões do artigo e ainda não encontrei uma “fórmula pronta”, mas as reflexões e ponderações de Malini e cia foram importantes para alguns trabalhos que tenho desenvolvido. Clique aqui para baixar.


Facebook and its Disappearing Posts: Data Collection Approaches on Fan-Pages for Social Scientists (2016)

Erick Villegas

Facebook fan-pages are channels of institutional self- representation that allow organizations to post content to virtual audiences. Occasionally, posts seem to disappear from fan-pages, puzzling page administrators and posing reliability risks for social scientists who collect fan-page data. This paper compares three approaches to data collec- tion (manual real-time, manual retrospective, and auto- matic via NVIVO 10®) in order to explore the different fre- quencies of posts collected from six institutional fan-pages. While manual real-time collection shows the highest fre- quency of posts, it is time consuming and subject to man-ual mistakes. Manual retrospective collection is only effec- tive when filters are activated and pages do not show high posting frequency. Automatic collection seems to be the most efficient path, provided the software be run frequently. Results also indicate that the higher the posting frequency is, the less reliable retrospective data collection becomes. The study concludes by recommending social scientists to user either real-time manual collection, or to run a software as frequently as possible in order to avoid bi- ased results by ‘missing’ posts.

Fechando essa categoria, esse artigo foi recomendação de Marcelo Alves. Confesso que quando vi o título, achei que abordaria as (novas) mudanças da API do Facebook – mas não me atentei à data de publicação, que é de 2016. De qualquer forma, é um artigo bem interessante. Apesar da conclusão relativamente óbvia/esperada, foi interessante para conhecer a ferramenta NVIVO10. Ainda não tive a oportunidade de testá-la, mas quando eventualmente o fizer provavelmente trarei aqui para o blog em forma de análise ou tutorial. Recentemente a Netvizz infelizmente tem perdido várias funcionalidades ótimas por causa do cenário caótico em que Zuckerberg nos deixou, então é sempre bom conhecer outras alternativas. Clique aqui para baixar.


ESTUDOS DE CASO

A discussão pública e as redes sociais online: o comentário de notícias no Facebook (2015)

Samuel Barros, Rodrigo Carreiro

O presente artigo faz uma análise das arenas de discussão estabelecidas em páginas de jornais brasileiros no Facebook. A abordagem proposta reconhece a circulação de material político no Facebook como importante na esfera pública contemporânea para a discussão sobre temas de relevância pública. A amostra é composta por 1.164 comentários coletados nas páginas oficiais da Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo. O objetivo é avaliar a qualidade deliberativa dessas arenas, levando em consideração os critérios reciprocidade, provimento de razões, grau da justificativa e respeito, além de discutir elementos estruturais do Facebook, a apropriação social e a discussão pública. No geral, as esferas de conversação da rede criadas em torno das notícias estudadas funcionam como ampliadores da diversidade dos argumentos, demonstrando que, em temas sobre os quais há forte consenso, há uma tendência de ocorrer menores índices de deliberação, além de não haver reciprocidade em quase metade dos comentários e mais de 50% das mensagens não apresentarem qualquer justificativa.

Li esse artigo para tê-lo como referência de uma pesquisa que iria realizar a partir de comentários de uma notícia no Facebook. Esta não se concretizou, mas o artigo ainda assim foi muito interessante. O diferencial da proposta dos autores é que eles não estão interessados numa análise voltada para o conteúdo mais explícito das mensagens (temas, assuntos, etc.), mas nos modos argumentativos e contra-argumentativos dos comentários. Ou seja, a preocupação deles é descobrir se esse ambiente online (comentários de notícias no Facebook) são propícios ou não para um debate saudável, responsável e maduro. A resposta já era de se esperar, mas é sempre bom encontrar referências científicas para sustentar nossas percepções mais óbvias. Clique aqui para baixar.


A fotografia como prática conversacional de dados. Espacialização e sociabilidade digital no uso do Instagram em praças e parques na cidade de Salvador (2018)

André Lemos, Leonardo Pastor

Este artigo investiga empiricamente a prática fotográfica através do aplicativo Instagram. Foram analisadas 305 imagens associadas à geolocalização de quatro praças e parques da cidade de Salvador. A análise foi desenvolvida através de três aspectos: processo de espacialização, processo de sociabilidade e processo de produção de si (retratos e selfies). O uso de metatexto (hashtags, legendas e emojis) e de dados de geolocalização indicam que a prática fotográfica se dá, hoje, como uma prática conversacional de dados. Ela convoca uma ampla rede que passa pelo local escolhido, pelo artefato utilizado, pelas formas de edição e manipulação da imagem, pelos metatextos, pelas geotags, pelo procedimento algorítmico da rede social, pelas formas de compartilhamento… O uso da fotografia em redes sociais é um ator-rede, performativo, algorítmico, muito diferente da prática de produção de fotos analógicas ou mesmo digitais antes do surgimento dessas redes. Isso possibilita aos usuários a criação de um discurso/ narrativa e de uma prática de dados relacionados à fotografia inédita até então.

Recentemente no IBPAD temos trabalhado bastante com projetos e metodologias envolvendo análise de imagens. Este artigo, portanto, surgiu como uma luva para nos acompanhar nessa jornada. Apesar de ser uma análise relativamente simples, cujo foco argumentativo dos autores é ratificar como a relação de sociabilidade entre fotografia e compartilhamento se entrelaça com o aparato algorítmico e “dataficante” das plataformas, o que mais gostei do trabalho foi o apontamento de que estamos sempre nos comunicando. Toda publicação nas mídias sociais comunica alguma coisa para alguém. Esse alguém pode não ter uma delimitação definida, sua recepção pode não ser o que esperamos, mas a mensagem está sempre ali para chegar a um receptor (mesmo que às vezes finjamos que não). Clique aqui para baixar.


O amor nos tempos de Facebook. Narrativas amorosas e performances de si em sites de redes sociais

Deborah Santos

Os sites de redes sociais representam espaços de compartilhamento que estão ressignificando o jeito através do qual as pessoas se relacionam consigo mesmas e com os outros que constituem “sua audiência”. Com a emergência destes espaços, as fronteiras entre o que era considerado como privado e como público estão sendo cada vez mais difusas, e os relatos íntimos encontram nas ágoras virtuais um terreno para se inserir em cenários públicos, reconfigurando assim o limite conceitual que restringe “o íntimo” a espaços de interação limitados em alcance. O presente trabalho é um recorte da minha pesquisa de mestrado e propõe-se entender, partindo da análise de um caso de estudo, de que maneira usuários da rede social Facebook constroem narrativas virtuais durante e após relacionamentos amorosos; usando as ferramentas da etnografia virtual como princípios de aproximação ao nosso objeto e partindo de um caso de estudo particular.

Deborah Rodríguez Santos é mestre e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF e ofereceu, neste período, a disciplina Dinâmicas Identitárias no Ciberespaço para alunos da graduação de Estudos de Mídia. Fiz a mesma matéria alguns anos atrás e por isso me interessei pelo trabalho da pesquisadora, que é orientada por outra referência também já bastante citada aqui no blog: a Profa. Dra. Beatriz Polivanov. O artigo em questão é uma versão (bem) resumida da sua dissertação, que trabalha com a questão da auto-apresentação nos sites de redes sociais (foco no Facebook) a partir do contexto amoroso entre jovens cubanos. Ou seja, além do interessantíssimo debate sobre performance na internet, atravessa também questões culturais específicas e de um lugar desconhecido para a maioria dos brasileiros. Clique aqui para baixar.


“Sabe o que Rola nessa Internet que Ninguém Fala?”: Rupturas de Performances Idealizadas da Maternidade no Facebook

Ana Souza, Beatriz Polivanov

Partindo da observação de que discussões sobre a maternidade têm ganhado visibilidade no Facebook, fazemos aqui uma análise exploratória de uma postagem da mãe, médica e cantora Júlia Rocha. Buscamos atingir os seguintes objetivos principais: 1) investigar que tipos de discursos têm emergido através desse “fenômeno” e de que modos visam desconstruir ou problematizar valores socialmente relacionados à maternidade e 2) entender o lugar de fala através dos quais tais relatos são produzidos, a partir de uma perspectiva pessoal de alguns “nós” na rede. Concluímos que a postagem de Júlia pode ser entendida enquanto uma ruptura de performances idealizadas da maternidade, atrelada a valores como cuidado dos filhos, de si e da relação conjugal, ganhando visibilidade na cultura digital a partir de uma ideia de “sinceridade” ou “autenticidade”.

Ana Luiza de Figueiredo Souza também é mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF. Ao lado de Santos e sob supervisão de Polivanov, ministrou a disciplina de Dinâmicas Identitárias no Ciberespaço em Estudos de Mídia neste período. Ambas participam do grupo de pesquisa MiDICom – Mídias Digitais, Identidade e Comunicação, liderado pela última. O artigo também segue parte da pesquisa realizada por Souza em seu mestrado, na qual trabalha com as temáticas de maternidade, auto-apresentação, narrativas pessoais e dispositivos de visibilidade/controle. Destaco especificamente duas questões legais no texto: a discussão sobre “ruptura de performance”, bastante discutida pelo grupo de pesquisa em seus trabalhos mais recentes; e a ótima referência sobre cinco dimensões de persona online, que conheci nesse artigo e resultou nesse post. Clique aqui para baixar.


REFLEXÕES EPISTEMOLÓGICAS

Disputas sobre performance nos estudos de Comunicação: desafios teóricos, derivas metodológicas (2018)

Adriana Amaral, Thiago Soares, Beatriz Polivanov

O presente artigo discute o termo “performance” nos estudos de Comunicação e mídia a partir de um resgate crítico-teórico do mesmo. Partimos de uma reconstituição conceitual do termo em suas vertentes das Ciências Humanas e Sociais francesa e anglo-saxã para apresentarmos seus desdobramentos no campo comunicacional brasileiro, sobretudo no que tange a temáticas como a música e o entretenimento, os fãs e os sites de redes sociais. Argumentamos que os estudos de performance são relevantes para entender as ações humanas, bem como suas mediações com os corpos, aparatos, ambientes, materialidades e audiências tão corriqueiras no cotidiano da vida contemporânea. Contudo, indicamos a necessidade de rediscussão do conceito para a análise de distintos objetos e ambientes mediados pelas tecnologias de comunicação e apontamos a possibilidade de entender a performance enquanto método de pesquisa.

Esse artigo muito provavelmente se tornará leitura básica/obrigatória em cursos de graduação na área de comunicação mais voltada para a academia. Isso porque, além do time de peso (Amaral, Soares e Polivanov – três referências na área), as autoras fazem um “remonte” teórico das premissas teóricas e epistemológicas que têm sustentado os estudos sobre performance no Brasil em Comunicação. Para isso, acionam a matriz etimológica da palavra francesa, rediscutem ideias de autores já consolidados como Goffman e Giddens, e situam minimamente o cenário de pesquisa sobre performance de gosto (na música e) em sites de redes sociais. Além disso, referenciam também autores não tão conhecidos assim, como Diana Taylor e Richard Schechner, ambos integrantes do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Performance na New York University (NYU) nos Estados Unidos. Clique aqui para baixar.


A reality check(list) for digital methods

Tommaso Venturini, Liliana Bounegru, Jonathan Gray, Richard Rogers

Digital Methods can be defined as the repurposing of the inscriptions generated by digital media for the study of collective phenomena. The strength of these methods comes from their capacity to take advantage of the data and computational capacities of online platforms; their weakness comes from the difficulty to separate the phenomena that they investigate from the features of the media in which they manifest (‘the medium is the message’, according to McLuhan’s 1964 dictum). In this article, we discuss various methodological difficulties deriving from the lack of separation between medium and message and propose eight practical precautions to deal with it.

Fechando com chave de ouro, esse é outro artigo que possivelmente será bibliografia básica nas escolas de comunicação – talvez não para graduação, mas para pós (até pelo idioma). Os autores remontam as premissas da famosa obra Digital Methods de Richard Rogers e fornecem um “guia” teórico-metodológico para a prática de pesquisa digital a partir de oito questões divididas em quatro categorias relevantes. Papel das mídias digitais em relação ao objeto de estudo: quanto do seu objeto de estudo ocorre no plataforma que você está estudando? você está estudando rastros midiáticos por si só ou como proxies (representações)? Definição do objeto de estudo: a sua operacionalização está sintonizada com os formato do plataforma? com as práticas dos usuários da plataforma? Da análise de uma única plataforma à análise de plataformas convergentes: o fenômeno que você está estudando acontece em diferentes plataformas? você possui operacionalizações diferentes porém comparáveis para cada plataforma? Demarcação de corpus e acesso aos dados: o que seu corpus representa? você está levando em consideração as maneiras pelas quais os dados são “entregues” pela plataforma? Clique aqui para baixar.

O “nordestino” no Twitter em fevereiro: entre a política, o sotaque e a identidade

Desde que finalizei, entreguei e apresentei meu TCC, no final do ano passado, tenho buscado alternativas para continuar com um possível projeto de mestrado que me permita ingressar numa pós-graduação com tema semelhante. Já tive algumas ideias (específicas, outras mais abrangentes), mas – por enquanto – não tenho nada definido. Nesse cenário confuso e incerto, uma das ideias que tive foi criar uma base de dados sobre nordestinos no Twitter para que pudesse, talvez, desenvolver algo em cima disso num futuro próximo. Mensalmente, portanto, devo compartilhar uma visão geral do que foi conversado/discutido e quem foram os atores que fomentaram essa discussão.

O primeiro post foi publicado no blog do IBPAD, colocando em foco como as funcionalidades de text analysis e network analysis da ferramenta Netlytic podem ser extremamente úteis para pesquisas acadêmicas. Quanto aos resultados, no mês de janeiro, cerca de 60% das 37.333 menções no Twitter sobre nordestinos foram retweets, destacando três assuntos principais: sotaque (além de um caso específico fruto da cultura de fãs, outros mais relacionados a produtos televisivos da Rede Globo), política (o julgamento do ex-presidente Lula) e futebol (parceria entre times/campeonatos nordestinos e emissoras de TV para direitos autorais de exibição). Em fevereiro, o cenário não mudou muito.

Desta vez, entretanto, pretendo seguir caminho inverso ao que fiz no primeiro post, apresentando inicialmente a rede composta pelos usuários para, em seguida, destrinchar os assuntos mais comentados. A lista de arestas gerada pela Netlytic resultou numa rede com 16.068 nós (usuários) e 17.270 arestas (conexões). Como, para essa primeira abordagem, o que me interessa é visualizar “the big picture”, utilizei a métrica de componentes conectados para filtrar apenas o grupo da rede com maior número de conexões entre si, o que resultou em 63,38% da rede: 10.283 nós e 12.980 arestas. No grafo abaixo você pode visualizar melhor a rede completa e, destacado em marrom, o maior componente conectado.

Direcionar o olhar para o grupo mais conectado é relevante pois é ali onde as discussões, embates e conversas em geral sobre a temática acontece mais calorosamente – o que não indica que todo o resto deve ser ignorado ou subestimado (retornaremos a ele mais adiante), mas que o processo de analisar a estrutura de conversações pode oferecer insumos gerais para a análise mais detalhada. Apresento, portanto, logo abaixo, a rede já com o filtro de componente conectado, os nós em menor proporção para destacar os agrupamentos e os principais clusters destacados com suas devidas cores. São eles, respectivamente: política-esquerda, com 2.717 nós (26%); cultura pop, com 2.462 nós (24%); futebol, com 1.225 nós (11%) e política-direita, com 771 nós (7%).

Cluster Azul – Política-Esquerda / Cluster Verde – Cultura Pop / Cluster Vermelho – Futebol / Cluster Marrom – Política-Direita

Além dos clusters, o grafo também permite perceber outro aspecto importante dessa rede: trata-se, mais uma vez, de uma rede bem dispersa e com baixo índice conversacional (usuários mencionando uns aos outros, como uma conversa). Assim como em janeiro, há vários agrupamentos do tipo broadcaster que indicam fontes de replicações de mensagens através de retweets – ou seja, em termos simples, são vários usuários dando “RT” em uma mensagem específica. Dos 26.002 tweets coletados, 12.971 são retweets (49%); na rede de maior componente conectado, essa porcentagem aumenta – já que a métrica foca justamente nas conversas com mais interações (menções e retweets): dos 13.317 tweets, 10.128 são retweets (76%).

Quem são, portanto, esses atores responsáveis pela mobilização de milhares de usuários quanto ao assunto “nordestino”? O maior cluster, que agrega usuários em torno do assunto política, é encabeçado por: @conversaafiada, @eduguim e @lulapelobrasil; logo em seguida, o cluster de cultura pop é liderado por @whomath e @bchartsnet; quando o assunto foi futebol, @brunoreis, @resenhabbmp e @ecvitoria comandaram a conversa; e, por fim, @lula_nacadeia e @rj_em_alerta são os principais mobilizadores no cluster razoavelmente heterogêneo (e bem disperso) da política-direita. No grafo abaixo (clique para ampliar) estão apresentados os usuários com maior grau de entrada, ou seja, que receberam mais menções ou retweets sobre o tema em fevereiro.

Um dos benefícios de trabalhar os dados para além da Netlytic está em poder manuseá-los com mais facilidade. Ao extrair a lista de arestas para elaboração da rede no Gephi e o arquivo .CSV com todas as menções coletadas, pude cruzar essas fontes de dados para descobrir quais eram os tweets da base de dados referentes a cada cluster. Ou seja, de maneira mais detalhada: 1) a partir da rede gerada (com o filtro de maior componente conectado), exportei uma planilha com as métricas referentes aos nós; 2) inseri essa base na planilha com os tweets coletados para que tudo se mantivesse num único arquivo; 3) utilizei a fórmula PROCV para, na base de tweets, criar uma coluna que indicasse a qual cluster aquela linha se referia.

Com esse processo, semelhante ao que fiz nessa outra análise também do Twitter, pude separar os tweets para que se tornasse mais fácil identificar o que cada grupo – levando também em consideração o volume considerável de retweets – estava mencionando sobre o tema. Desta forma, elaborei as nuvens de palavras abaixo a partir dos tweets de cada um dos cinco clusters destacados, respectivamente. No entanto, o que se pode perceber é que, como era de se esperar, os termos mais frequentes em cada grupo é referente principalmente às mensagens com maior número de retweets – o que acaba limitando um pouco a exploração dos dados.

A primeira nuvem de palavras, referente ao cluster de polícia voltada à esquerda, apresenta a maioria dos termos relacionados ao tweet de @conversaafiada, @bbcbrasil e @lulapelobrasil; a segunda nuvem, esverdeada, traz basicamente os termos referentes aos tweets populares de @whomath e @bchartsnet; no cluster de futebol, a nuvem de termos em vermelho representa em sua grande maioria os tweets mais populares do jornalista e comentarista esportivo @brunoreis; por fim, no grupo de política à direita, o tweet do usuário @Lula_nacadeia é o que mais reverbera na nuvem de palavras.

Tweets que movimentaram a conversa sobre nordestinos em fevereiro

  1. @whomath: “nayara falando de representatividade nordestina, nem parece que zoou a gleici dias desse pelo fato dela ser do acre kkk hipócrita #bbb18”
  2. @bchartsnet: “Uma rainha negra, gorda, da favela, empoderada. Outra rainha LGBT, nordestina e com visibilidade internacional. Ambas tendo destaque na maior festa popular do mundo juntas 💗! Vem, Beija-Flor! #globeleza”
  3. @conversaafiada: “Diálogo entre garçom nordestino e empresário coxinha em restaurante chic de SP. Empresário tentava provar a amigo rejeição do Lula entre os pobres: Empresário: em quem você vai votar para presidente? Garçom: no Lula Empresário: e se não for candidato? Garçom: em quem ele mandar”
  4. @eduguim: “Grande parte do eleitorado Nordestino, mais afinado com o PT, irá descobrir que não pode votar só quando chegar na urna em outubro, Denuncie armação do TSE para barrar a esquerda em 2018, sob a batuta de Luiz “mato no peito” Fux. Espalhem enquanto é tempo”
  5. @lulapelobrasil: “O povo nordestino deixou de ser tratado apenas pela fome, pela mortalidade infantil e pela evasão escolar e passou a ser considerado parte do Brasil. Eu tenho confiança de que podemos recuperar o Brasil.”
  6. @kaiooliveiras: “Um nordestino q não gosta de farofa tem q ser exilado do país.”
  7. @brunoreis: “Tenho dito, Matheus, atacante do ABC hoje é o melhor jogador do futebol nordestino. Tem 9 gols em 7 jogos no ano. Artilheiro do futebol brasileiro em 2018. Menino de personalidade. Clareou, chutou. Bem no estadual e no nordestão. Ano passado foi bem também. 19 anos apenas.” [tweet apagado]
  8. @priscilaevelynn: “amo comida nordestina aaaaaaaaaaa”
  9. @bbcbrasil: “#MaisVistos Família nordestina guardou séculos de romances medievais de mais de 700 anos na memória http://bbc.in/2GGQZp9”
  10. @lula_nacadeia: “Mas pra muitos ignorantes no nordeste, luladrão é o “pai dos pobres” povo burro! E antes que venham encher o saco, eu sou nordestino. @Isabellniky @BecaBrix @HumbertoReisJr @Henrietterrsa @iaragb @MsCMauro @wwrealist @SPD_33 @FUSSHIGHLANDER”

Embora a análise de redes seja uma metodologia extremamente útil para (literalmente) visualizar como as conversas aconteceram, uma vez que não é o meu objetivo principal focar na estrutura das interações para possivelmente encontrar grupos e/ou atores relevantes nesse cenário, é preciso também voltar o olhar para além da base mais popular/mobilizada. Como mencionei anteriormente, iniciar a análise voltando o olhar de rede para a parte mais conectada pode indicar temas relevantes para análises mais específicas – e assim conseguimos perceber discussões sobre política principalmente centrada no ex-presidente Lula, a “nordestinidade” como categoria compreendida pela cultura pop e o recorte regional nas disputas (simbólicas) esportivas.

Para superar as barreiras dos tweets e clusters mais populares/mobilizados, criei uma nuvem de palavras somente com as menções coletadas que ficaram de fora da rede de maior componente conectado. No resultado, alguns assuntos já identificados continuaram presentes: lula, bb18, nayara, futebol, garçom, restaurante e empresário – todos termos já levantados nas nuvens de palavras dos clusters. No entanto, a palavra com mais destaque, que apareceu também em janeiro, mas ainda não havia aparecido nesta análise, é “sotaque” – que aparece em associação direta a outros termos também em evidência, como “amo”, “paulista”, “carioca”, “gosto” e “ouvir”. Na maioria dos tweets, aparece em tom de exaltação e também em comparativo com outros semelhantes.

Uma questão muito interessante a discutir sobre esse assunto é como parece haver um imaginário social do que seria o “sotaque nordestino”, como um representante único de nove estados distintos, enquanto outros…: “Qual é o seu sotaque favorito? — Carioca, gaúcho, Paulista, nordestino, ah todo”. Pensando o sotaque como uma representação exclusivamente oral, uma hipótese a ser levantada é que essa convenção do que seria um sotaque nordestino pode ter surgido a partir das representações do que seriam também personagens “nordestinos” na televisão e no cinema. Nesse contexto, a categoria “nordestino” é aplicada a um todo identitário muito maior que deve supostamente dar conta de milhões de pessoas com diferentes valores, tradições e referências – semelhante à discussão que travei também no meu TCC.

No mais, termos como “anos”, “sertão”, “chuva”, “romances” e “família” são referentes a dois tweets com certa repercussão relevante: “A chuva volta ao sertão nordestino após seis anos de seca. Agora o sertanejo espera a volta de Lula” e “Família nordestina guardou séculos de romances medievais de mais de 700 anos na memória https://t.co/JU57dnfUAj”. No entanto, o que mais tem me chamado a atenção, desde a primeira análise, é a presença de outras palavras como “gay”, “negro(a)” e “mulher”. Como aparece no tweet da @bchartsnet, um dos mais populares de fevereiro contendo o termo “nordestina”, esta categoria identitária aparece ao lado de outras muito mais consolidadas (e diria até, respaldadas) numa espécie de osmose interseccional das minorias.

Interseccionalidade é uma sensibilidade analítica, uma maneira de pensar sobre a identidade e sua relação com o poder. Articulada originalmente em favor das mulheres negras, o termo trouxe à luz a invisibilidade de muitos cidadãos dentro de grupos que os reivindicam como membros, mas que muitas vezes não conseguem representá-los. O apagamento interseccional não é exclusivo das mulheres negras. Pessoas negras ou de outras raças/etnias dentro dos movimentos LGBT; meninas negras ou de outras raças/etnias na luta contra o sistema que empurra os jovens da escola para a cadeia; mulheres nos movimentos de imigração; mulheres trans dentro dos movimentos feministas; e as pessoas com deficiência lutando contra o abuso policial — todas essas pessoas sofrem vulnerabilidades que refletem as interseções entre racismo, sexismo, opressão de classe, transfobia, capacitismo e muito mais. A interseccionalidade deu a muitas dessas pessoas uma forma de destacar as suas circunstâncias e lutar por sua visibilidade e inclusão.
Kimberlé Crenshaw

Este é um “fenômeno” que venho trabalhando desde a monografia e que está diretamente relacionado com o sentimento e a sensação de “orgulho” que costura todas as disputas simbólicas em torno do sentir-se (ou autointitular-se) nordestino. É interessante pensar sobre isso porque a interseccionalidade, como foi “criada”, nasceu nos Estados Unidos, portanto, discuti-la no contexto brasileiro deve levar em consideração várias outras instâncias históricas de poder e relações sociais. Além disso, há uma lacuna entre o sentimento de orgulho como resposta a ataques externos (que foi o que discuti no meu TCC) e classificar essa identidade como legítima da interseccionalidade no contexto brasileiro (que pode ser o meu projeto de mestrado, quem sabe?). Com a cabeça borbulhando mas ainda sem uma ideia definida, sigo acompanhando.

Análise de redes: os públicos da nova música de Ivete com Livinho no Twitter

Quando escrevi em 2015 sobre o assassinato do Twitter (que, aliás, não morreu e continua firme e forte), mencionei humildemente, a partir de observação empírica de usuário assíduo desde 2009, que fandoms possuíam uma forte atuação na rede. Além da minha própria experiência (eu mesmo na adolescência já tive um fã-site sobre Justin Bieber cujo perfil no Twitter teve papel fundamental em seu crescimento), também já tinha lido o artigo “Fandoms, Trending Topics and Social Capital in Twitter”, de Raquel Recuero, Adriana Amaral, Camila Monteiro, o que sempre me estimulou a fazer algum trabalho dessa temática na plataforma.

Recentemente, por coincidência (ou não), também fui várias vezes impactado pela propaganda do próprio Twitter sobre a influência da rede quando o assunto é música. Em 2016, 38% dos tweets brasileiros foram sobre música; neste ano já foram registrados 146 milhões de tweets com a mesma temática no Brasil, tornando o país o segundo que mais fala sobre o assunto no mundo – as informações mais recentes indicam que 59% dos usuários brasileiros falam sobre o assunto e e um em cada dois (!) usuários seguem pelo menos um músico. Todas essas informações estão disponíveis no próprio site do Twitter, que disponibiliza esses dados para que marcas possam trabalhar campanhas dentro desse segmento.

Não tem jeito, música acontece todos os dias, o dia todo. Ela está nas trending topics (38% dos TT’s brasileiros foram sobre o assunto), nas conversas (80% delas são Always On) e na conexão que os usuários têm com seus ídolos e marcas (73% seguem contas de artistas musicais). […] Com conteúdo relevante, você pode aproveitar esse boom e fazer ações ultra engajadoras pra sua marca. Vale criar hashtags específicas, fazer LIVEs, patrocinar eventos, programas de TV ou desenvolver uma ação exclusiva dentro do Twitter. O importante é estar dentro desses acontecimentos e entender como usar o assunto a seu favor, entrando na conversa no momento em que o consumidor está mais disposto a ouvir (lembre-se de que, no Twitter, o ad recall é 13% maior).

Com tudo isso na mesa, já é possível concordar que, quando o assunto é música, o Twitter é uma mídia social extremamente valiosa para diferentes atores: cantoras/bandas, gravadoras, fãs, marcas interessadas, profissionais adjacentes e pesquisadores. Sempre foi do meu interesse, portanto, pela afinidade com o assunto, desenvolver algum estudo – mesmo simples – com os dados da rede. Depois de tudo isso e ainda desse incrível post da Marina Alves sobre a ressonância da Pabllo Vittar na plataforma, a minha vontade só aumentou e, agora, posso dizer que esse dia finalmente chegou! Foi uma exploração inicial, com algumas ideias embrionárias, mas o suficiente para suprir a minha vontade.

Na última semana monitorei com a Netlytic a nova música de Ivete com Livinho, “Cheguei Pra Te Amar”, lançada no dia 27 de outubro. A minha proposta era trabalhar com a análise de redes justamente para identificar quais foram os públicos responsáveis por fomentar a conversa sobre a parceria no Twitter. Com mais de 20 anos na estrada, Ivete já é uma artista consagrada que não precisa mais provar nada a ninguém; no entanto, com todas as mudanças que a indústria fonográfica brasileira passou nos últimos anos (novos meios de consumo, funk/pop, investimento audiovisual, etc.), a cantora, ainda que extremamente popular, tem dificuldade de penetrar o mercado do público mais jovem.

É aí que o Twitter aparece como catalizar importante para o trabalho: segundo informações internas da empresa, 50% do público jovem na plataforma possui entre 18 e 24 anos. É uma geração que, matematicamente, até vivenciou o auge de Ivete Sangalo em meados dos anos 2000, mas que hoje em dia possui outros ídolos da música – principalmente com a explosão de nomes femininos da última década, como Anitta, Ludmilla, Pabllo Vittar, dentre outras. Ao trabalhar com Livinho, Ivete – cujo filho, Marcelo, é grande fã do MC – mira nessa nova geração de brasileiros, tentando deixar sua marca numa década nada favorável para o movimento (ou gênero) musical que a catapultou para o estrelato.

A proposta, então, é responder: quem falou sobre a música (e o clipe) na semana de lançamento do projeto? Para isso, como já mencionei, utilizei a Netlytic e monitorei toda a conversa sobre a parceria no Twitter entre os dias 27 de outubro e 3 de novembro. A ferramenta, além de coletar as menções, já processa e disponibiliza também uma lista com as conexões encontradas (@fulano -> @ciclano), que importei no Gephi para gerar a rede. Para a visualização, optei pelo layout OpenOrd + ForceAtlas 2, este último no qual os nós com mais ligações são atraídos para o centro e os menos conectados são repelidos para as margens. Foram 5.387 nós (perfis) e 17.631 arestas (interações), com a distribuição de 10 clusters principais (pelo menos 2% do número total de atores na rede).

O grupo hegemônico na rede não é apenas um cluster, mas quatro: os fãs de Ivete (fãs assíduos, dentre fã-clubes e usuários mais ativos) representam 32% da rede, com 1.725 nós que atribuí diferentes tonalidades de azul. São responsáveis por 23.101 (63%) das 36.221 menções coletadas no período, publicadas por apenas 1.152 usuários únicos. Por um lado, demonstra uma fanbase bastante dedicada, que utilizou o Twitter para práticas comuns de divulgação (hasgtags e pedidos em rádios); por outro, aponta também que a música ainda precisa alcançar o grande público. Essa era uma hipótese que eu tinha pelo baixo número de nós: com uma base de 36 mil tweets, somente 5 mil nós; em comparação, no da Pabllo, foram 50 mil tweets e 37 mil nós.

Nuvem de palavras feita com a bio dos usuários desses clusters de gãs

Para trabalhar melhor o que me propus com a análise, portanto, talvez seja melhor ocultar esse imenso conglomerado de fãs e observar os demais públicos. Abaixo, a rede sem os clusters de fãs e com uma distribuição mais equilibrada dos rótulos dos nós, ainda organizados pela métrica de centralidade de autovetor (em termos simples, de influência na rede). Há dois grupos óbvios nesse cenário: em vermelho, em terno do perfil do YouTube, formado pelos compartilhamentos “automáticos” do clipe no Twitter; e o amarelo, também interessante, pois se trata de um fake do Livinho: @iivinhomc, com o primeiro I maiúsculo – o original não possui conta ativa no Twitter, apenas no Facebook e no Instagram.

O rosa é o cluster “central”, em torno da cantora, com a presença de veículos da imprensa tradicional, como G1, Uol, dentre outros; e outros veículos influentes da cultura pop no Brasil, como o Portal POPline e o Papel Pop; é também onde se encontram os serviços de streaming Spotify e Deezer, empresas que Ivete tem procurado desde o lançamento de “À Vontade”, primeiro investimento dedicado da cantora aos novos moldes da indústria fonográfica; alguns fãs mais engajados com o perfil da cantora (e menos com a articulação e mobilização dentro do fandom) também aparecem nesse cluster, que se espalha por boa parte da rede. No entanto, são os clusters lilás e verdes que trazem algumas curiosidades interessantes.

O grupo de coloração lilás, embora também represente alguns fãs semelhantes aos articuladores dos clusters azuis, diferencia-se por ser formado também por vários usuários que são fãs do cantor Luan Santana. Dando uma olhada nas menções, foi possível perceber que os fandoms se juntaram para uma mobilização em torno da premiação Meus Prêmios Nick, utilizando hashtags e menções a ambos artistas. Esse é um fenômeno comum entre artistas que possuem uma amizade pública e uma longa lista de parcerias: “Química do Amor”, “Zero a Dez” e “Estaca Zero” são os duetos já cantados pelos dois em apenas seis anos de amizade.

Já o grupo verde é formado por dois cluster distintos: à esquerda, pelo perfil @acidvideos e, à direita, pelo perfil @bchartsnet. O primeiro é interessante porque se trata de uma conta que divulga vídeos avulsos no Twitter; dando uma olhada superficial, é possível perceber que se trata de temáticas direcionadas ao público jovem, talvez masculino e heterossexual. Já do outro lado temos o perfil de um dos maiores fóruns brasileiros sobre cultura pop no Brasil, reconhecidamente direcionado ao público LGBT; não por acaso, também encontram-se próximos os perfis de Hugo Gloss e @forumpandlr, principal “concorrente” da BCharts.

Essas são parcelas do público “geral” que a cantora poderia – ou deveria – impactar caso deseja que a música se torne, de fato, um sucesso para além da sua base de fãs já consolidada. E para ter uma ideia mais qualitativa de como o projeto foi recebido por esses “não-fãs”, utilizei a fórmula PROCV no Excel para identificar as modularidades indicadas pelo Gephi na planilha de usuários e removi as menções dos clusters de fãs na planilha de coleta geral. Fiz então a nuvem de palavras a seguir com os termos mais populares desse escopo, o que, superficialmente, revela uma recepção positiva do grande público – indicando, talvez, que o trabalho a seguir tenha mais foco em awereness, disseminação da música e do clipe:

Nuvem de palavras feita com as menções de usuários “não-fãs”

Esse foi um experimento relativamente simples que quis fazer para: 1) usar a Netlytic como ferramenta de monitoramento e análise de redes sociais; 2) ter o Twitter como base exploratória de sites de redes sociais; 3) unir todo isso à minha paixão por música pop e Ivete Sangalo. A ideia aqui não é necessariamente compreender o Twitter como termômetro de sucesso – já que a atuação de fandoms nesse ambiente é muito articulada e mobilizadora, o que não necessariamente indica “sucesso” -, mas como termômetro de públicos. Pensando em artistas que precisam trabalhar para diferentes “nichos”, é uma rede muito interessante para compreender as dinâmicas dos grupos envolvidos na conversa sobre determinado tema.