Introdução à análise de redes sociais online: o que é a análise de redes?

[Este post faz parte de uma série de resumos comentados do e-book “Introdução à análise de redes sociais online” (2017), de Raquel Recuero]

Em abril de 2017, publiquei aqui no blog o texto “A minha saga com redes sociais (ou por que é importante compreendê-las)“, no qual contava um pouco da minha relação com redes sociais enquanto abordagem teórico-metodológica. Nesta época estava começando a escrever meu TCC (sobre identidade nordestina em sites de redes sociais) e tinha acabado de dar início também (como relato no post) ao curso de Análise de Redes para Mídias Sociais do IBPAD. Em dezembro desse mesmo ano, Raquel Recuero lançou pela Coleção Cibercultura/Lab404 da EDUFBA um e-book introdutório sobre análise de redes sociais online.

Três anos depois, muita coisa já aconteceu: apresentei minha monografia com uma metodologia atravessada por análise de redes, ofereci uma palestra em parceria com Toth no Social Media Week SP 2018 sobre o assunto, escrevi três artigos acadêmicos (e um capítulo de um livro no prelo) utilizando redes semânticas e outro com redes de imagens; dentre vários outros projetos que assumi no trabalho com redes de vídeos/canais do YouTube, tweets/perfis, etc. Aqui no blog, também produzi algumas análises “simples” com redes semânticas e de imagens. Mais recentemente, fui responsável por um relatório de influenciadores sobre a COVID-19 no Twitter.

Com certeza o Pedro de 2017, ainda bastante resistente a análise de redes, não esperava que tudo isso fosse (ou sequer poderia) acontecer. E faço essa introdução porque esta série que inicio com este post tem também essa função incentivadora (assim como foi a palestra no SMWSP), para aqueles que têm vergonha de perguntar, que tem medo ou que acham desnecessária (ou demasiadamente “quantitativa”, como era o meu caso) essa abordagem teórico-metodológica. A ideia é utilizar a excelente publicação de Raquel Recuero para a editora da UFBA como fonte teórica e propulsora para uma iniciação ao trabalho de análise de redes para mídias sociais.

É importante salientar que há outra obra, mais completa e publicada por Recuero em parceria com Gabriela Zago e Marcos Bastos em 2015, “Análise de Redes para Mídia Social” (Editora Sulina). O e-book produzido para a Coleção Cibercultura/Lab404 da UFBA é, como o próprio nome já indica, uma introdução à temática, ainda que traga novas referências como fruto da própria experiência de aprendizado constante da autora. Trata-se de uma obra condensada, “uma pequena compilação dos principais conceitos e elementos da ARS” cujo norte “está na busca das aplicações empíricas e no aprendizado pela prática”.

Esse “guia introdutório e simplificado de conceitos, práticas e formas de análise” está dividido em quatro capítulos: 1. O que é Análise de Redes?; 2. Quais são os principais conceitos de ARS?; 3. Quais são as principais métricas de Análise de Redes? 4. Como coletar, analisar e visualizar dados para Análise de Redes?. Os títulos como perguntas reitera a proposta direto ao ponto da obra, em que cada parte do texto é desencadeada conforme as discussões abordadas, “fornecendo as bases para a compreensão de como fazer análise de redes e a seguir, trazendo elementos complementares”. Neste primeiro post, sigamos apenas com o primeiro capítulo.

O QUE É ANÁLISE DE REDES?

O primeiro esforço que a autora faz é o de deixar claro que a análise de redes sociais é uma abordagem para analisar grupos sociais, ou seja, é muito anterior (quase um século) à análise de redes online. Suas premissas metodológicas, com respaldo teórico, têm fundamento (ou raízes) na Sociometria e na Teoria dos Grafos, as quais serão explicadas mais adiante. De modo simplificado, a análise de redes (sociais) é uma perspectiva teórico-metodológica que permite estudarmos estruturas e fenômenos sociais como redes.

“A rede dentro da qual qualquer indivíduo está inserido (ou seu grupo social) é também a responsável por uma grande parcela de influência sobre esse indivíduo. O lugar de alguém na estrutura social advém de uma série complexa de relações, da qual emergem normas, oportunidades e, inclusive, limitações. […] Ou seja, a percepção da estrutura em torno dos atores é fundamental para que possamos compreender também seu comportamento. Além disso, o comportamento individual dos atores reflete-se na rede como um todo, moldando-a e adaptando-a, sendo também, portanto, fundamental para que possamos compreender a estrutura em si.”

RECUERO, 2017, p. 13.

Ela complementa que “a ideia que embasa os estudos das estruturas sociais é aquela de que os indivíduos, os atores sociais, estão inseridos em estruturas complexas de relações com outros atores”. Os grupos sociais (família, escola, trabalho, etc.) os quais nós enquanto indivíduos fazemos parte “têm um papel fundamental no [nosso] comportamento e na [nossa] visão de mundo”, em que as relações que estabelecemos conferem determinadas posições nas redes, que são tanto produto quanto produtora das interações e associações.

– De onde vem a Análise de Redes Sociais?

A origem da análise de redes sociais pode ser creditada a variados campos do saber (numa perspectiva interdisciplinar) no início do século XX, sobretudo a partir da década de 30. A posição da autora a é de seguir com o consenso estabelecido pela revisão literária de que há dois pilares fundadores: a Sociometria e a Teoria dos Grafos, “embora traços dos conceitos possam ser observados em trabalhos muito anteriores”. Sociologia, Antropologia e Psicologia são apenas algumas das disciplinas que, ancoradas na contribuição da Matemática, começaram a esquematizar um método para a análise de redes sociais.

Scott (2001) credita o “nascimento” da ARS como abordagem ao desenvolvimento da Sociometria, que trouxe sistematização analítica a partir de fundamentos da teoria dos grafos. Já o desenvolvimento desse método, o autor atribui aos pesquisadores que, na década de 1930, passaram a estudar os padrões de relações e a formação de grupos sociais como cliques e, finalmente, aos antropólogos que a partir desses elementos começaram a estudar os conceitos de “comunidade”. Para o autor, são essas tradições que vão formar aquilo que, na década de 1960, vai se constituir na tradição dos estudos de análise de redes.

RECUERO, 2017, p. 14.

A sociometria é a denominação dada à abordagem de Jacob Moreno na invenção do sociograma (1930), “a representação da rede, no qual os atores sociais são apresentados como nós, e suas conexões, representadas por linhas que unem esses nós”. Os estudos do psicólogo, com ajuda da sua colaboradora Helen Jennings, tinha como objetivo “medir as relações dos grupos, compreendendo […] como esses conjuntos de atores eram estruturados”. Foi fundamental para direcionar o foco à “estrutura social para que se compreendesse a dinâmica dos grupos”, embora só tenha sido desenvolvida (reabordadas por outros grupos) como análise de redes após a década de 50.

Já a Teoria dos Grafos foi responsável por fornecer “formas mais sistemáticas de medida […]” das estruturas sociais, cuja teorização das redes dispõem as principais métricas para a compreensão das posições dos nós e de sua própria estrutura. É uma disciplina da matemática “que estuda conjuntos de objetos e suas conexões”, cuja origem estaria “no trabalho de Ëuler e na solução que ele propôs para o enigma das Pontes de Königsberg”. Cartwright e Harary teriam sido os primeiros a aplicar grafos à leitura dos sociogramas de Moreno, o que permitiu “que novas perspectivas fossem compreendidas dentro da dinâmica dos grupos sociais”.

Mas se a análise de redes sociais tem sua consolidação em meados do século XX, com sementes originárias datando de décadas antes (até Simmel e Weber, por exemplo), por que há uma crescente popularização dessa abordagem? Recuero credita isso à “ampliação do foco do estudo de grupos pequenos para grupos em larga escala”, fazendo com que novas disciplinas cruzem fronteiras entre as Ciências Exatas e Ciências Sociais e Humanas. Duas justificativas para esse novo contexto da análise de redes sociais possa surgir são: “a disponibilização de dados sociais, especialmente pelas ferramentas digitais de comunicação” e; “o uso de métodos computacionais, que permitiram a coleta e a análise desses dados sociais”.

– Redes sociais e sites de redes sociais são a mesma coisa?

Em julho de 2019, a autora publicou no Medium o texto “Mídia social, plataforma digital, site de rede social ou rede social? Não é tudo a mesma coisa?”, somente dois anos após o lançamento do e-book. Essa é uma pergunta que provavelmente deve continuar sendo feita ainda por muito tempo, mesmo com todos os (constantes) esforços para respondê-la. O problema está principalmente no fato de que, no Brasil, chamamos tudo de “rede social”; no entanto, como a própria discussão da origem das análises de redes sociais já indica, redes sociais são muito “anteriores” aos sites de redes sociais.

O argumento apresentado no e-book parte do conceito primeiro proposto pelas autoras danah boyd e Nicole Ellison em publicação de 2007 (a data é importante para contextualizar o momento pelo qual a internet passava, pensando Facebook, Orkut, etc.) que “algumas ferramentas online apresentam modos de representação de grupos sociais baseados nas relações entre os atores”. Seriam características dessas: “(1) permitir que os atores construam um perfil público ou semipúblico; (2) permitir que esses atores construam conexões com outros atores; e (3) permitir que esses atores possam visualizar ou navegar por essas conexões“.

“Enquanto uma rede social está relacionada à percepção de um grupo social determinado pela sua estrutura (a “rede”), que é geralmente oculta, pois só está manifesta nas interações, as ferramentas sociais na internet são capazes de publicizar e influenciar essas estruturas sociais. (BOYD; ELLISON, 2007) Ou seja, o Facebook, por si só, não apresenta redes sociais. É o modo de apropriação que as pessoas fazem dele que é capaz de desvelar redes que existem ou que estão baseadas em estruturas sociais construídas por essas pessoas […].”

RECUERO, 2017, p. 16.

Sites não necessariamente refletem redes sociais do espaço offline, mas “amplificam conexões sociais, permitem que estas apareçam em larga escala (RECUERO, 2009) e também atuam de modo a auxiliar na sua manutenção”. Pessoas que você conhece (ou conheceu) offline, por exemplo, podem manter uma conexão com você no Facebook devido à facilidade de manutenção desse laço fraco; ou, ainda, pessoas que você não conhece offline podem aparecer no seu news feed enquanto perfil ou até mesmo publicações, devido à característica própria da ferramenta. As redes sociais na internet, portanto, “são outro fenômeno, característico da apropriação dos sites de rede social.”

Outro conceito que Recuero traz de boyd para diferenciar os sites de redes sociais (e, portanto, as redes sociais online) é o de “públicos em rede” (networked publics). “Embora esse conceito não esteja diretamente relacionado com análise de redes, ele auxilia a compreensão de como os sites de rede social influenciam os processos de representação dos grupos“, explica. São affordances que explicitam “elementos que emergem das características técnicas dessas ferramentas e suportam suas apropriações“:

  1. Persistência: interações/conexões dos meios online permanecem no tempo (podem ser recuperadas); o que permite que a conversa seja assíncrona (atores não estão presentes ao mesmo tempo), ampliando “as possibilidades de manutenção e recuperação de conexões e valores sociais”.
  2. Replicabilidade: como as interações/conexões permanecem, são mais facilmente replicadas (podem circular mais rápida e fidedignidamente);
  3. Escalabilidade: a junção de esses dois elementos permite que as informações percorram toda a estrutura de redes (viralidade);
  4. Buscabilidade: devido à permanência (registro), as informações podem ser buscáveis.

“São esses elementos que proporcionam os contextos nos quais podemos perceber como as redes sociais na internet podem ser diferentes em suas apropriações e práticas sociais, e na circulação de informações das redes sociais offline.”

RAQUEL RECUERO

Ainda pensando num contexto mais conversacional (e não de laços estabelecidos, como amigos/seguidores – ou conexões associativas, para utilizar o conceito da própria), Recuero também recupera boyd para destacar as dinâmicas dos públicos em rede. O foco dessas outras características, entretanto, estaria no modo como “influenciam as redes sociais que emergem desse processo”:

  1. Audiências invisíveis: diferente das redes offline, em que a autora argumenta que conseguimos “peceber” com mais facilidade (por ser menor e menos conectada), as redes de SRSs são “imediatamente discerníveis” pelas “audiências que rodeiam as interações no espaço online”.
  2. Colapso dos contextos: ao permanecerem e serem replicadas, deslocamentos de contextos são comuns, o que potencializa a possibilidade de conflitos entre grupos distintos.
  3. Borramento das fronteiras entre o público e o privado: diz respeito à “dificuldade em demarcar espaços que são tipicamente dados nos grupos sociais offline” (família, amigos, etc.), o que “acaba por expor os atores, aumentando a percepção de intimidade e sua participação pela rede”.

– Para que serve a ARS?

Como mencionado anteriormente, a análise de redes sociais tem se popularizado devido a dois fatores principais: “graças ao aumento da quantidade de dados sociais disponibilizados por conta dos usos das ferramentas de comunicação mediada pelo computador” e, também, “por ser uma abordagem bastante propícia para o estudo e a visualização de grandes quantidades de dados”. É nesse contexto que tem sido utilizada em áreas como Comunicação Social e Sociologia Computacional, “para compreender fenômenos associados à estrutura das redes sociais, principalmente, online”.

A autora encerra o primeiro capítulo, portanto, listando os cenários em que a análise de redes sociais pode ser utilizada: 1) estudos das relações entre os elementos da estrutura do fenômeno; 2) estudos nos quais o objeto possa ser estruturalmente mapeado; 3) estudos nos quais o problema de pesquisa foque um conjunto de dados passível de ser coletado e mapeado com os recursos disponíveis. Ela está chamando a atenção para o fato de que nem toda pesquisa cabe uma abordagem de redes, por isso é preciso ficar atento a esses “critérios” básicos e se perguntar: a resposta que eu preciso responder pode ser alcançada com a análise de redes?

Se você quer identificar como o capital social é constituído em determinado grupo, como a informação circula num determinado grupo social ou quais são os subgrupos – ou clusters – dentro de uma grande grupo – ou rede, por exemplo, sim. Se o objeto pode ser mapeado e sua estrutura será visível (os dados são acessíveis), também. Se há a possibilidade de realizar todo o processo, de mapeamento à coleta e posterior análise seguindo as premissas metodológicas da análise de redes sociais, também.

Referências citadas neste capítulo

  • SCOTT, J. Social Network Analysis: Ahandbook. 2. ed. New York: SAGE, 2001.
  • BOYD, D.; ELLISON, N. Social Network Sites: Definition, History, and Scholarship. Journal of Computer-Mediated Communication, [S.l.], v. 13, n. 1, p. 210-230, 2007.
  • BOYD, D. Social Network Sites as Networked Publics: Affordances, Dynamics, and Implications. In: PAPACHARISSI, Z. (Ed.). ANetworked Self: Identity, Community, and Culture on Social Network Sites. New York: Routledge, 2010. p. 39-58
  • BRUNS, A. et al. #qldfloods and @QPSMedia: Crisis Communication on Twitter in the 2011 South East Queensland Floods. Brisbane, Qld: ARC Centre of Excellence for Creative Industries and Innovation, 2012.
  • BRUNS, A.; BURGESS, J. E. Researching news discussion on Twitter: New methodologies. Journalism Studies, Florida, v. 13, 2012.
  • DEGENNE, A.; FORSÉ, M. Introducing Social Networks. London: SAGE, 1999.
  • FREEMAN, L. The development of social network analysis: a study in the sociology of science. Vancouver: Empirical Press, 2004.
  • MALINI, F. Um método perspectivista de análise de redes sociais: Cartografando topologias e temporalidades em rede. In: ENCONTRO DACOMPÓS, 25., 2016, Goiânia. Anais… Campós: Goiânia, 2016. Disponível em: http://www.compos.org.br/biblioteca/compos_malini_2016_3269.pdf. Acesso em: 23 de maio de 2017
  • RECUERO, R. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.
  • RECUERO, R. A Conversação em Rede: comunicação mediada pelo computador. Porto Alegre: Sulina, 2012.
  • RECUERO, R. Contribuições da Análise de Redes Sociais para o estudo das redes sociais na Internet: o caso da hashtag #Tamojuntodilma e #CalaabocaDilma. Revista Fronteiras, São Leopoldo, v. 16, p. 60-77, 2014.
  • RECUERO, R.; BASTOS, M. T.; ZAGO, G. Análise de Redes para Mídia Social. Porto Alegre: Sulina, 2015.
  • WASSERMAN, S.; FAUST, K. Social Network Analysis: methods and aplications. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.

2 comentários

  1. […] post anterior, vimos os precedentes da análise de redes muito antes de chegarmos às redes sociais na internet […]

    1. Que maravilha de conteúdo. Vou seguir a série…
      O conteúdo compartilhado é um excelente plano B para quem não pode fazer um curso ou disciplina de ARS.
      Dias de luta.

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